RESGATANDO DARIO JORDÃO DE
ANDRADE
Valério Mesquita*
Todo homem é sujeito
e senhor de sua história. Seja político, empresário, profissional liberal,
magistrado ou religioso. Meu tio Dario, falecido aos 97 anos, escreveu a sua
história de vida com humildade e decência. Filho de pais modestos, nasceu em
Macaíba onde a sua mãe Sofia Curcio, viúva, educou-o com sacrifício e
obstinação, fruto da fibra italiana dos seus pais. Fez os primeiros estudos em
sua cidade e, em seguida, Natal para depois se formar pela Faculdade de Direito
do Recife. Foi promotor de justiça, juiz de Direito em Santa Cruz , Areia
Branca, Macaíba e Natal, onde se aposentou. Parodiando Paulo na sua epístola,
diria que ele combateu o bom combate e guardou a fé nos postulados jurídicos. O
seu saber o fazia jurista de muitas consultas entre advogados e juizes que o
procuravam.
Dario
foi o último remanescente de uma geração de três famílias que se interligaram
pelo parentesco e pelo matrimônio: Andrade, Maciel e Mesquita. As três
vertentes pontificaram da primeira metade do século vinte até o seu final. Seus
irmãos também longevos como ele, eram: Nair, Sofia, Nilda, Floriano e Clóvis.
Do casamento com Geni Maciel de Andrade nasceram dois filhos: Sonia e Ivan
Maciel de Andrade, advogado, jurista, escritor, membro da Academia de Letras, ex-consultor
geral do estado por duas vezes. Deixou netos e bisnetos. O traço marcante da
personalidade do meu tio residia na simplicidade. Daí a urbanidade, a
disponibilidade de trato para com todos que dele se acercavam. Quando publiquei
o meu primeiro trabalho em 1968, um pequeno ensaio intitulado “O tempo e sua
Dimensão”, estimulou-me bastante denotando o sentido de ajudar porque esta era
uma marca registrada inconfundível.
No Grande Ponto e no
Café São Luiz a silhueta clara do seu vestir, a voz explicativa que se
derramava no consuetudinário gesto italiano de ser, guardam a sua memória como
o bom humor de cantarolar qual jovem de bem com a vida. O ex-padre Zé Luiz,
freqüentador assíduo do café, registrou na sua coluna jornalística a alegria do
amigo numa manhã luminosa com o estribilho da poesia de Gonzaguinha: “Viver
e não ter vergonha de ser feliz”. Mas, há outro aspecto relevante na família
Andrade. Refiro-me a união dos irmãos que jamais se intrigaram. Eram solidários
em todos os instantes. Exemplos
magníficos de vida pautados no modo despojado e modesto de se conduzirem. Assim
foi também Dario no exercício da magistratura onde não fez inimigos nem sujou
as mãos com o azinhavre da improbidade.
O meu tio foi um
autodidata. Leu os clássicos da literatura mundial e os grandes compêndios da
filosofia do Direito formando uma sólida cultura. Poderia ter sido
desembargador e a sua capacidade estava, inclusive, acima da média, não fossem
as tribulações políticas da época vividas pelo judiciário. Aquela figura
despretensiosa, que residia à rua General Osório, Cidade Alta, que não fumava
nem bebia por ser inteiro, limpo, íntegro, probo, bom pai e esposo, sempre teve
a minha admiração. Não privei tanto de sua intimidade quanto Ticiano Duarte meu
primo e seu sobrinho. Quando adoeceu visitei-o algumas vezes. Não gostava de
vê-lo sem o talento da boa conversa, da vivacidade, dos ademanes de homem educado
e culto, sem deixar nunca de ser simples. Relembra-o hoje nesta coluna com
saudade para testemunhar-lhe que dele muito me orgulho e guardo as melhores
recordações.
(*)
Escritor.
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