quarta-feira, 18 de março de 2020


RESGATANDO DARIO JORDÃO DE ANDRADE

Valério Mesquita*


Todo homem é sujeito e senhor de sua história. Seja político, empresário, profissional liberal, magistrado ou religioso. Meu tio Dario, falecido aos 97 anos, escreveu a sua história de vida com humildade e decência. Filho de pais modestos, nasceu em Macaíba onde a sua mãe Sofia Curcio, viúva, educou-o com sacrifício e obstinação, fruto da fibra italiana dos seus pais. Fez os primeiros estudos em sua cidade e, em seguida, Natal para depois se formar pela Faculdade de Direito do Recife. Foi promotor de justiça, juiz de Direito em Santa Cruz, Areia Branca, Macaíba e Natal, onde se aposentou. Parodiando Paulo na sua epístola, diria que ele combateu o bom combate e guardou a fé nos postulados jurídicos. O seu saber o fazia jurista de muitas consultas entre advogados e juizes que o procuravam.
Dario foi o último remanescente de uma geração de três famílias que se interligaram pelo parentesco e pelo matrimônio: Andrade, Maciel e Mesquita. As três vertentes pontificaram da primeira metade do século vinte até o seu final. Seus irmãos também longevos como ele, eram: Nair, Sofia, Nilda, Floriano e Clóvis. Do casamento com Geni Maciel de Andrade nasceram dois filhos: Sonia e Ivan Maciel de Andrade, advogado, jurista, escritor, membro da Academia de Letras, ex-consultor geral do estado por duas vezes. Deixou netos e bisnetos. O traço marcante da personalidade do meu tio residia na simplicidade. Daí a urbanidade, a disponibilidade de trato para com todos que dele se acercavam. Quando publiquei o meu primeiro trabalho em 1968, um pequeno ensaio intitulado “O tempo e sua Dimensão”, estimulou-me bastante denotando o sentido de ajudar porque esta era uma marca registrada inconfundível.
No Grande Ponto e no Café São Luiz a silhueta clara do seu vestir, a voz explicativa que se derramava no consuetudinário gesto italiano de ser, guardam a sua memória como o bom humor de cantarolar qual jovem de bem com a vida. O ex-padre Zé Luiz, freqüentador assíduo do café, registrou na sua coluna jornalística a alegria do amigo numa manhã luminosa com o estribilho da poesia de Gonzaguinha: “Viver e não ter vergonha de ser feliz”. Mas, há outro aspecto relevante na família Andrade. Refiro-me a união dos irmãos que jamais se intrigaram. Eram solidários em todos os instantes.  Exemplos magníficos de vida pautados no modo despojado e modesto de se conduzirem. Assim foi também Dario no exercício da magistratura onde não fez inimigos nem sujou as mãos com o azinhavre da improbidade.
O meu tio foi um autodidata. Leu os clássicos da literatura mundial e os grandes compêndios da filosofia do Direito formando uma sólida cultura. Poderia ter sido desembargador e a sua capacidade estava, inclusive, acima da média, não fossem as tribulações políticas da época vividas pelo judiciário. Aquela figura despretensiosa, que residia à rua General Osório, Cidade Alta, que não fumava nem bebia por ser inteiro, limpo, íntegro, probo, bom pai e esposo, sempre teve a minha admiração. Não privei tanto de sua intimidade quanto Ticiano Duarte meu primo e seu sobrinho. Quando adoeceu visitei-o algumas vezes. Não gostava de vê-lo sem o talento da boa conversa, da vivacidade, dos ademanes de homem educado e culto, sem deixar nunca de ser simples. Relembra-o hoje nesta coluna com saudade para testemunhar-lhe que dele muito me orgulho e guardo as melhores recordações.
(*) Escritor.

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