sexta-feira, 4 de outubro de 2019



NOTA SOBRE AS RAÍZES DA POESIA POTIGUAR

                                                           -  Horácio Paiva*  -    

                        O Rio Grande do Norte, apesar de ter seu território, sobretudo seu litoral, conhecido e mapeado pelos europeus (portugueses, espanhóis e franceses) desde o início do ciclo de suas grandes descobertas marítimas e da expansão de sua colonização, no século XVI, somente veio a intensificar-se como polo social e cultural autônomo a partir de meados do século XIX (quando deixou a dependência econômica e política de Pernambuco), não obstante bem antes ter sido demarcado como Capitania Hereditária (na colonização portuguesa) e, depois, Província. Com o advento da república (1889), tornou-se Estado. Antes disso, todo o Nordeste oriental brasileiro (Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Leste do Ceará) tinha, como centro político e civilizatório, Pernambuco. Aliás, Recife, capital de Pernambuco, fora a capital do Brasil holandês.

                        É inegável a grande influência da lírica portuguesa (diria mesmo galego-portuguesa) no surgimento e desenvolvimento da poesia no Brasil literário e, notadamente, no Nordeste, principal herdeiro dessa notável vertente, que também se expressou e ainda se reproduz na oralidade dos “cantadores de viola” (verdadeiros aedos que no passado saíam, de cidade em cidade, a cantar seus romances) e no cordel, cujos folhetos traduzem não apenas o lirismo da alma popular, mas todo um conhecimento que remonta à Idade Média e à Antiguidade. Aí temos romances de amor, cavalaria, heroísmo e mitologia. Cordéis belíssimos tais como “A história do pavão misterioso”, “A verdadeira história do herói João de Calais”, “Carlos Magno e os Doze Pares de França”, dentre muitos outros, são verdadeiras obras-primas desse acervo maravilhoso que formou a alma lírica do Nordeste.

                        Nesse contexto, podemos dizer que um dos primeiros destaques da poesia potiguar foi Fabião das Queimadas (Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha - 1848-1928), “um escravo que cantava acompanhando-se de uma rabequinha” (no dizer de um amigo meu, o escritor Tarcísio Gurgel) e autor do “Romance do boi de mão de pau”, com 48 estrofes. Mas nosso primeiro bardo de renome, contemporâneo de Nísia Floresta, também poeta, foi, sem dúvidas, o natalense e árcade romântico Lourival Açucena (Joaquim Eduvirges de Mello Açucena  -  1827-1907), cujos poemas foram reunidos após sua morte e publicados pelos amigos sob o título de homenagem “Polianteia”.  

                        Assim, estão muito presentes em nossas origens, tanto em forma como em conteúdo, a sensibilidade galego-portuguesa de suas cantigas e a doçura de sua poesia. Tal estilo, combinando simplicidade, leveza e sonoridade, elementos tão caros à nossa tradição poética, insere-se nessa grande vertente lírica galego-portuguesa, que já fizera desse idioma, na Idade Média, o idioma culto da Península Ibérica, no qual se expressavam seus trovadores, e que influenciou e produziu, em tempos próximos e atuais, poetas de alta qualidade.

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(*) Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.

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