NOTA SOBRE AS RAÍZES DA POESIA POTIGUAR
- Horácio Paiva* -
O
Rio Grande do Norte, apesar de ter seu território, sobretudo seu litoral,
conhecido e mapeado pelos europeus (portugueses, espanhóis e franceses) desde o
início do ciclo de suas grandes descobertas marítimas e da expansão de sua
colonização, no século XVI, somente veio a intensificar-se como polo social e
cultural autônomo a partir de meados do século XIX (quando deixou a dependência
econômica e política de Pernambuco), não obstante bem antes ter sido demarcado
como Capitania Hereditária (na colonização portuguesa) e, depois, Província.
Com o advento da república (1889), tornou-se Estado. Antes disso, todo o
Nordeste oriental brasileiro (Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte
e Leste do Ceará) tinha, como centro político e civilizatório, Pernambuco.
Aliás, Recife, capital de Pernambuco, fora a capital do Brasil holandês.
É
inegável a grande influência da lírica portuguesa (diria mesmo
galego-portuguesa) no surgimento e desenvolvimento da poesia no Brasil
literário e, notadamente, no Nordeste, principal herdeiro dessa notável
vertente, que também se expressou e ainda se reproduz na oralidade dos
“cantadores de viola” (verdadeiros aedos que no passado saíam, de cidade em
cidade, a cantar seus romances) e no cordel, cujos folhetos traduzem não apenas
o lirismo da alma popular, mas todo um conhecimento que remonta à Idade Média e
à Antiguidade. Aí temos romances de amor, cavalaria, heroísmo e mitologia. Cordéis
belíssimos tais como “A história do pavão misterioso”, “A verdadeira história
do herói João de Calais”, “Carlos Magno e os Doze Pares de França”, dentre
muitos outros, são verdadeiras obras-primas desse acervo maravilhoso que formou
a alma lírica do Nordeste.
Nesse
contexto, podemos dizer que um dos primeiros destaques da poesia potiguar foi
Fabião das Queimadas (Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha - 1848-1928), “um
escravo que cantava acompanhando-se de uma rabequinha” (no dizer de um amigo
meu, o escritor Tarcísio Gurgel) e autor do “Romance do boi de mão de pau”, com
48 estrofes. Mas nosso primeiro bardo de renome, contemporâneo de Nísia
Floresta, também poeta, foi, sem dúvidas, o natalense e árcade romântico
Lourival Açucena (Joaquim Eduvirges de Mello Açucena -
1827-1907), cujos poemas foram reunidos após sua morte e publicados pelos
amigos sob o título de homenagem “Polianteia”.
Assim,
estão muito presentes em nossas origens, tanto em forma como em conteúdo, a
sensibilidade galego-portuguesa de suas cantigas e a doçura de sua poesia. Tal
estilo, combinando simplicidade, leveza e sonoridade, elementos tão caros à
nossa tradição poética, insere-se nessa grande vertente lírica
galego-portuguesa, que já fizera desse idioma, na Idade Média, o idioma culto
da Península Ibérica, no qual se expressavam seus trovadores, e que influenciou
e produziu, em tempos próximos e atuais, poetas de alta qualidade.
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(*) Poeta, escritor, advogado, membro
do Instituto Histórico e Geográfico do RN e presidente da Academia Macauense de
Letras e Artes – AMLA.
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