Bloco das Cinzas
Geraldo Duarte*
O bloco de sujos “Ai da Base!” não mais desfilava pelas ruas do bairro Demócrito Rocha desde 1961. Mas Ubirajara, conhecido por Bira ou Birinha, filho de dona Luzia Barroso e porta-estandarte daquele grupo de brincantes, jamais desistiu da bagunça carnavalesca. E da “cachaceirada” diária, no dito da conceituada genitora.
Diferentemente dos irmãos Juarez e José, não possuía profissão ou trabalho certo. Vivia de biscatear, intermediar negócios duvidosos e jogar baralho em lugares escondidos, devido à proibição legal dos jogos de azar.
No Carnaval, muito se esbaldava, provocava arruaças, desacatava moradores, tornava-se “o cão em figura de cristão”, como o definiam os perturbados vizinhos.
Na sexta-feira gorda, providenciava sua fantasia de sempre. Duas quengas de coco enchiam o sutiã, geralmente, de grande proporção. Blusa e saia subtraídas das vestimentas da genitora. Lenço com chamativas estampas e pontas amarradas na testa por destacado nó. Colar, de muitas voltas, formado por miçangas várias. Uma bolsa volumosa, além de completar o marmotoso tipo, servia para guardar a garrafa de cachaça e objetos pessoais utilizados durante o período da folia.
O sofrimento da mãe com as informações dos desatinos praticados crescia com o passar dos dias. Em especial, tratando-se de pertencente à tradicional família fortalezense e os malfeitos repercutirem por toda a Capital.
Acontecia à segunda-feira da pagodeira. Triste notícia chegou à casa da respeitosa e benquista senhora. Birinha havia sido detido, acusado de desrespeito aos bons costumes e atentado à moralidade pública. Ocorrida na entrada principal da Capela do Asilo de Alienados, na Avenida João Pessoa, esquina da Avenida Carneiro de Mendonça e defronte ao Bar Avião.
“Este desavergonhado – disse o delegado – trajando vestes femininas, sem peças íntimas, levantava a roupa e mostrava as vergonhas aos saintes da primeira missa diária. Será escoltado e remetido agora à Central de Polícia.”.
Ao mesmo tempo da fala da autoridade, com a língua enrolada e um bafo de aguardente chegando a quase meio metro, balbuciava: “Mãezinha, sou inocente! Eu só ia entrar na igreja e rezar!”.
O tio, importante comerciante local, ao saber do acontecimento e solicitado a contratar um advogado, teria afirmado que o faria satisfeito, se ele continuasse mofando na cadeia...
À época, nas quartas-feiras de final do Carnaval, às 14 horas, na Praça dos Voluntários, defronte ao prédio da Secretaria de Segurança Pública, formava-se multidão, vaiando os apreendidos no decurso os festejos e soltos na ocasião, ainda fantasiados. Era o denominado “Bloco das Cinzas”. E, à frente dos desordeiros, na data, o famigerado Birinha!
*Geraldo Duarte é advogado, administrador e dicionarista.
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