terça-feira, 6 de fevereiro de 2018



NO PAÍS EM QUE VIVEMOS 
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO 


Presencia-se na cultura brasileira, arraigado nas entranhas da sociedade, um modo de pensar ou agir, ética e historicamente deturpado. Desta forma, evidenciam-se inúmeros esquemas de ilicitudes e ilegalidades, envolvendo administradores, políticos, homens e setores públicos. Isso emperra as reformas necessárias. Trata-se de uma força perversa, que atrasa a superação da crise econômica e impõe verdadeiro caos social. Em nosso artigo “A cultura da cleptocracia”, Padre Antônio Vieira foi lembrado no seu Sermão do Bom Ladrão. Pelo que se infere da prédica, a realidade é bem antiga e parece que pouco mudou, nesta Terra de Santa Cruz. Na opinião de sociólogos, há uma corrupção sistêmica e epidêmica. Já no século XVII, em tom profético, Vieira criticou os que se serviam do erário para se locupletarem indevidamente. Denunciou riquezas ilegítimas, gestões fraudulentas e a desigualdade de punições. Vale destacar a peroração de sua atualíssima homilia: “Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título [por vezes] são aqueles aos quais são confiados os governos”. 
Percebe-se que o furto, a apropriação indébita, o superfaturamento de obras, as comissões, propinas ou similares e a deterioração estão bem enraizados no Brasil, há tempos. Afirma-se que bilhões desviados da nação seriam suficientes para resolver muitos de nossos problemas mais graves. Em lugar disso, criaram-se novas situações, pois a corrupção sistematizada dilapidou nossa economia. Levar-se-ão anos para soerguê-la, afirmam os especialistas. “Evidências dispensam provas”, dizia o tribuno romano Marco Túlio Cícero. Por enquanto, apura-se – e não sem fortes protestos e críticas – a degradação em alguns setores. Não pasmem se ela jaz no ventre de outros órgãos. Fala-se dos fundos de pensão corroídos pela falta de escrúpulo. Empresas, outrora sólidas e estáveis, combalidas. Comenta-se que é preciso passar um pente fino em várias instituições estatais. Afinal, podem ter sofrido processos semelhantes àqueles que, de acordo com estudiosos e a mídia, abalaram nosso patrimônio. 
Como demonstrou Padre Vieira – com exceções – a malversação da coisa [res] pública já grassava em terras do Brasil. A diferença reside no fato de que ultimamente foi institucionalizada e convertida em “quadrilhas organizadas”, na expressão de um ex-senador amazonense. E este completa: “Os paladinos da moral e da ética institucionalizaram o processo da roubalheira e o alargaram, mascarando-o com o cinismo”. Diante das descobertas e denúncias, passou-se a adotar na vida pública a comezinha regra do futebol: “O ataque é a melhor defesa”. É o que se vê no Parlamento, onde as grandes questões nacionais ficam relegadas, dando espaço a acusações de parte a parte. Ninguém faz o “mea-culpa”. Tenta-se inocentar aliados, muitos afogados no lamaçal da desonra e da desonestidade, afrontando probos e justos. Há quem duvide dos fatos e dados, ache tudo tão natural e ouse afirmar: “roubam, mas fazem”. Grupos preconizam que denúncias e delações, prisões e sentenças fazem parte de uma estratégia de perseguição política ou jurídica. A história dirá. A Ética determina que o rigor das normas deva existir para todos, independentemente de ideologias, partidos, cargos ou funções. Apesar das bravatas, não dignifica ninguém isentar corruptos. “Cristo perdoa os pecadores arrependidos, mas não os contumazes e recalcitrantes”, pregava Santo Agostinho. Uma senhora perguntou-nos esta semana: “Padre, em quem confiar?”. O apóstolo Paulo, revelando sua fé no Senhor, responde: “Sei em quem acreditei” (2Tm 1, 12). 
Mas não se deve esquecer que, por outro lado, pessoas que criticam a classe política muitas vezes consideram normal desrespeitar o próximo, jogar lixo nas ruas, dar carteiradas, furar filas, subornar o guarda, desobedecer às regras de trânsito, invocar privilégios, desejar benesses, favores etc. A cada direito corresponde um dever. Infelizmente, em lugar de formar cidadãos, o sistema preocupa-se mais em incentivar consumidores para manter a roda econômica. Quem ignora o que realmente é cidadania, não tem consciência política e tampouco está apto a votar. Age por impulso, interesses pessoais, conveniências ou puros sentimentos, em detrimento da pátria e do bem comum. Repetia Dom Luciano Mendes de Almeida, quando arcebispo de Mariana (MG): “Uma sociedade despreparada ou deseducada não tem como forjar políticos honestos”.

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