NO PAÍS EM QUE VIVEMOS
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
Presencia-se na cultura brasileira, arraigado nas entranhas da
sociedade, um modo de pensar ou agir, ética e historicamente deturpado.
Desta forma, evidenciam-se inúmeros esquemas de ilicitudes e
ilegalidades, envolvendo administradores, políticos, homens e setores
públicos. Isso emperra as reformas necessárias. Trata-se de uma força
perversa, que atrasa a superação da crise econômica e impõe verdadeiro
caos social. Em nosso artigo “A cultura da cleptocracia”, Padre Antônio
Vieira foi lembrado no seu Sermão do Bom Ladrão. Pelo que se infere da
prédica, a realidade é bem antiga e parece que pouco mudou, nesta Terra
de Santa Cruz. Na opinião de sociólogos, há uma corrupção sistêmica e
epidêmica. Já no século XVII, em tom profético, Vieira criticou os que
se serviam do erário para se locupletarem indevidamente. Denunciou
riquezas ilegítimas, gestões fraudulentas e a desigualdade de punições.
Vale destacar a peroração de sua atualíssima homilia: “Os ladrões que
mais própria e dignamente merecem este título [por vezes] são aqueles
aos quais são confiados os governos”.
Percebe-se que o furto, a apropriação indébita, o superfaturamento
de obras, as comissões, propinas ou similares e a deterioração estão bem
enraizados no Brasil, há tempos. Afirma-se que bilhões desviados da
nação seriam suficientes para resolver muitos de nossos problemas mais
graves. Em lugar disso, criaram-se novas situações, pois a corrupção
sistematizada dilapidou nossa economia. Levar-se-ão anos para
soerguê-la, afirmam os especialistas. “Evidências dispensam provas”,
dizia o tribuno romano Marco Túlio Cícero. Por enquanto, apura-se – e
não sem fortes protestos e críticas – a degradação em alguns setores.
Não pasmem se ela jaz no ventre de outros órgãos. Fala-se dos fundos de
pensão corroídos pela falta de escrúpulo. Empresas, outrora sólidas e
estáveis, combalidas. Comenta-se que é preciso passar um pente fino em
várias instituições estatais. Afinal, podem ter sofrido processos
semelhantes àqueles que, de acordo com estudiosos e a mídia, abalaram
nosso patrimônio.
Como demonstrou Padre Vieira – com exceções – a malversação da coisa
[res] pública já grassava em terras do Brasil. A diferença reside no
fato de que ultimamente foi institucionalizada e convertida em
“quadrilhas organizadas”, na expressão de um ex-senador amazonense. E
este completa: “Os paladinos da moral e da ética institucionalizaram o
processo da roubalheira e o alargaram, mascarando-o com o cinismo”.
Diante das descobertas e denúncias, passou-se a adotar na vida pública a
comezinha regra do futebol: “O ataque é a melhor defesa”. É o que se vê
no Parlamento, onde as grandes questões nacionais ficam relegadas,
dando espaço a acusações de parte a parte. Ninguém faz o “mea-culpa”.
Tenta-se inocentar aliados, muitos afogados no lamaçal da desonra e da
desonestidade, afrontando probos e justos. Há quem duvide dos fatos e
dados, ache tudo tão natural e ouse afirmar: “roubam, mas fazem”. Grupos
preconizam que denúncias e delações, prisões e sentenças fazem parte de
uma estratégia de perseguição política ou jurídica. A história dirá. A
Ética determina que o rigor das normas deva existir para todos,
independentemente de ideologias, partidos, cargos ou funções. Apesar das
bravatas, não dignifica ninguém isentar corruptos. “Cristo perdoa os
pecadores arrependidos, mas não os contumazes e recalcitrantes”, pregava
Santo Agostinho. Uma senhora perguntou-nos esta semana: “Padre, em quem
confiar?”. O apóstolo Paulo, revelando sua fé no Senhor, responde: “Sei
em quem acreditei” (2Tm 1, 12).
Mas não se deve esquecer que, por outro lado, pessoas que criticam a
classe política muitas vezes consideram normal desrespeitar o próximo,
jogar lixo nas ruas, dar carteiradas, furar filas, subornar o guarda,
desobedecer às regras de trânsito, invocar privilégios, desejar
benesses, favores etc. A cada direito corresponde um dever.
Infelizmente, em lugar de formar cidadãos, o sistema preocupa-se mais em
incentivar consumidores para manter a roda econômica. Quem ignora o que
realmente é cidadania, não tem consciência política e tampouco está
apto a votar. Age por impulso, interesses pessoais, conveniências ou
puros sentimentos, em detrimento da pátria e do bem comum. Repetia Dom
Luciano Mendes de Almeida, quando arcebispo de Mariana (MG): “Uma
sociedade despreparada ou deseducada não tem como forjar políticos
honestos”.
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