Valério Mesquita*
01) Natal nunca perdeu a tradição de
possuir uma plêiade de oradores circunstanciais. São as famosas patativas da
palavra facultada. Assim foi o advogado José Guará, o comerciante e desportista
José Prudêncio (o Pruda do ABC). Lembro-me do ex-comandante da Polícia Militar coronel
Marcondes. Certa vez, ia pronunciar um discurso lido num evento social da PM.
Mas o coronel Neves resolveu pregar-lhe uma peça, substituindo, sem que ele
percebesse, a peça oratória. Na hora de falar, Marcondes discursou com a maior
naturalidade e somente tomou conhecimento do ocorrido, quando tudo havia
terminado. Em orador que se preza, a emoção suplanta a razão. De outra feita,
mesmo sem estar escalado para falar, aproveitou a palavra facultada e tirou do
bolso um enorme discurso e detonou: “Tomado de surpresa, nesta hora, levo a
minha palavra a todos vocês etc., etc”. O bom orador sempre tem no bolso um discurso
certo para as horas incertas.
02) O saudoso e querido professor Antônio Soares
Filho foi um mestre na arte de dissimular e interpretar, tanto na política como
no teatro amador, no tempo áureo de sua mocidade. Numa peça teatral sobre o império
dos Césares, ele vivia o papel do prefeito de Roma. Ao entrar em cena, esqueceu
de repente o diálogo. Sem se perturbar, bateu com a mão na barriga do ator que
desempenhava Júlio César e disse: “E aí, tudo bem, César?”.
03)
O doutor Antônio Soares Filho exerceu o mandato de deputado estadual e
de chefe do gabinete civil do então governador Dinarte Mariz. Era um político
astuto da velha escola pessedista e provedor de soluções políticas para os mais
intrincados problemas. Certa vez, algumas discrepâncias afastaram-no do Palácio
Potengi. O governador Dinarte não suportou o distanciamento. Encontrou-se com o
seu filho doutor Boucinhas e, naquele sotaque caicoense, indagou: “Meu filho,
cadê Toinho? Diga a ele que venha me ver. Tô com saudades de suas cavilações”.
04) Outra atividade importante exercida pelo
professor e acadêmico Antônio Soares Filho foi a astronomia. Pesquisou e
estudou os planetas, os astros e defendeu em livro e seminários uma tese
singular: o planeta Terra tinha duas luas. O assunto foi muito discutido, não
só em Natal, mas em congressos nacionais e internacionais. Quando o russo
Gagarin deu a volta ao redor da terra e nada declarou a respeito da existência
de um segundo satélite, logo a imprensa natalense procurou ouvir o astrônomo
Antônio Soares, que se saiu com essa defesa: “E por que ele não olhou para
trás”.
05) Ainda no pique de
suas grandes interpretações teatrais, é-lhe atribuída a cena em que a atriz,
sozinha no palco, deveria acender um fósforo e queimar um papel. Como
esqueceram de deixar a caixa sobre a mesa, atônita, começou a rasgar o papel. O
ator que deveria entrar em cena exclamando sobre o cheiro do papel queimado era
Antônio Soares, que de repente, mudou o script: “Mas que cheiro de papel
rasgado!”.
(*)
Escritor.
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