Conheci Sanderson quando
ingressei na graduação em Direito
na UFRN, na mesma turma de
Ângela, sua
esposa, que já
era formada e estava fazendo
o segundo curso. Ele era
Chefe da
Casa Civil do
governo Tarcísio Maia.
Acompanhava a mulher
nas nossas confraternizações,
que eram bem
frequentes
- e não só natalinas, como
atualmente. Aí os nossos papos
amiudavam,
sobre cultura geral
e “causos” que ele amealhou
na vida acadêmica e nos
cargos
públicos que exerceu.
Tirava onda consigo, ao
recordar que chamou o
“vade mecum” de
“quo vadis” nos
primeiros
tempos de faculdade.
Misturou o bolor dos fóruns
com a Sétima Arte,
pela
qual tinha maior predileção.
Dizia-me da admiração
profunda pelo irmão padre,
Emerson, que foi vigário
de Santa Cruz por muitos
anos e para onde rumava
em férias o seminarista
Sanderson, balançado entre
as virtudes sacerdotais e o
apego à literatura
laica.
Findou vencendo o extra-muros
do vetusto prédio curial
da Av. Campos
Sales.
Consolidou-se a opção com
a entrega de todo amor
armazenado no
coração-sentimento
à
doce Ângela, anjo da sua
vida dali em diante.
Em nova esquina da vida
o
destino nos marcou um
encontro: pouco tempo
depois de formados -
um ano e meio,
com precisão
- eu e Ângela fomos
aprovados em concurso
e ingressamos na
magistratura
do Estado do Rio Grande do Norte.
Eu fui presidir a Comarca de
Augusto Severo, miolo do
Médio Oeste; ela foi
judicar
em Touros, linda praia onde
os alísios curvam o continente.
A cada
jantar, a cada almoço,
a cada solenidade, a cada
celebração que a vida funcional
nos proporcionava, eu sempre
arranjava um jeito de sentar-me
à mesa do poeta,
para
entre taças de vinho e
garfadas generosas
(ele era bom nessas
duas
ferramentas...),
abastecer-me de saber e
de bondade.
Certa feita dedicou uma
noitada a explicar-me
as virtudes da doutrina
espírita
e o sentido da
eternidade; do real valor
da expressão “plano” no
contexto
kardecista.
O aluno aqui, indo com mais
frequência à taça do que
ao garfo,
perdeu as
conclusões da aula, à
medida que a sobriedade
esfumou-se como o
perfume
da bebida.
Mas juntei pedacinhos
daqueles ensinamentos e
montei, à minha maneira,
a
compreensão das
vidas repetidas. Noutras
jornadas expunha o seu
desejo de
estruturar em
páginas uma novela que
tinha prontinha na mente,
ambientada no
sertão
cearense, cercanias de
Pereiro, onde as pessoas
deixavam um casarão
histórico fechado e
partiam para outras plagas
e quando retornavam,
anos
adiante, encontravam
tudo intacto - paredes,
portas, teto, mobiliário,
utensílios -, mas que se
desmanchavam ao simples
toque dos dedos, reduzindo-se
a pó.
As quadras se passavam
e a
cada encontro eu lhe
cobrava a obra, obtendo
a resposta gargalhada
“ainda não”.
Há poucos
anos um abril chegou com
a triste notícia da morte
de Ângela. De logo
vaticinei
que em breve
partiria Sanderson,
independentemente do
seu estado de
saúde.
E assim aconteceu.
Não li, mas acredito que
no registro do seu óbito,
no
espaço destinado à
“causa mortis”, o oficial lançou a palavra “saudade”."
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