Hoje à tarde, começa o oficio de Trevas, com que nestes dias a Igreja celebra de algum modo, as exéquias do Senhor. Consta este officio de Matinas e Laudes cantadas com antecipação da véspera. Chamam de trevas tal officio, porque pelo fim d’elle apagam-se todas as luzes, em sinal do lucto profundo da Egreja e memoria das trevas que cobriram a terra na morte do Senhor Jesus. Lembra também o apagamento das luzes um facto histórico da bela antiguidade christã. O officio que celebramos pela tarde celebrava-se então durante a noite, e durava até à manhã; como chegasse o dia, apagavam sucessivamente as luzes, já desnecessárias. Colocam-se os círios ou velas sobre um candelabro triangular, quinze ao todo, sete de cada lado e um no meio ou vértice da figura.
Apagam
as velas, uma após a outra, uma de cada lado, a começar pela mais
inferior, do lado do evangelho, no fim do salmo, até ficar só a do meio,
que se conserva acesa.
São
de cera amarela taes círios, porque, por antiga tradição, só d’essa cor
os usa a Egreja nos funeraes e grandes luctos. O do meio, porém, é de
cera branca, porque representa N. S. Jesus-Cristo.
Em
chegando o ultimo verso de Benedictus, carregam essa última luz atrás
do altar, entretanto que se reza o salmo Miserere e as orações; depois
tornam a trazer.
Os
outros quatorze círios representam os onze apóstolos e as três Marias;
lembra seu apagamento o silencio d’estas, a fuga d’aqueles. Esse rito e
figura remontam ao VII século. Com que piedade contemplaram esta
eloquente ceremonia tantos christãos nossos antepassados!
Não seja menor a nossa.
Respira
o officio de Trevas a mais profunda tristeza. Invitatorio, hinos,
Gloria Patri, benção, tudo é suprimido. Só se ouvem quatro vozes:
David
que na lyra canta os ultrajes que sofre Jesus, a morte de seu Senhor e
seu Filho; Jeremias, que, às magoas igualando o lamento, canta as ruinas
de Jerusalem e os tormentos da Victima augusta; a Egreja em acentos
enternecidos a chamar os filhos à penitencia: Jerusalem, Jerusalem,
converte-te ao Senhor teu Deus!
Finalmente
as santa mulheres que acompanharam Jesus desde a Galiléa, e com ele
choravam na subida do Calvário. Sua marcha, suas lágrimas e prantos são
representados por dois clérigos, que, de joelhos, caminham a cantar os
Kyries Eleison, entrecortados de responos e plangentes suspiros.
Não
há chefe nem pastor a presidir o officio nestes três dias, que escrito
está: Ferirei o pastor, e serão dispersas as ovelhas do rebanho.
Remata
o officio um rumor confuso, que lembra o tropel e queda tumultuosa da
corte, que, guiada por Judas, veio alta noite, aprisionar o divino
Salvador no horto das Oliveiras.
Goffiné, 1925, 10ºedição, pág. 472, instrução sobre o oficio de trevas. O português da época foi mantido.
FONTE: Postado por
Imaculado Coração de Maria
Nenhum comentário:
Postar um comentário