MORRER
PELO BRASIL – VIVER PARA O BRASIL
100
anos do Tenentismo
“Não é sem sangue, sem sofrimento e sem sacrifício que se constrói uma
grande nação”.
(Da seção de cartas de O
Estado de São Paulo, julho de 1924) (1)
“A revolta é o último dos
direitos a que deve recorrer um povo livre para salvaguardar os interesses
coletivos, mas é também o mais imperioso dos deveres impostos aos verdadeiros
cidadãos”.
(Juarez Távora) (1)
Geniberto Paiva Campos –
Brasília/DF – Fevereiro, 2016
1.
E assim começou o Tenentismo, um dos mais importantes e duradouros ciclos da história
política contemporânea brasileira. Heroísmo, coragem, desprendimento, dedicação
à Pátria. Disposição para o sacrifício. Se necessário, morrer nobremente pela causa
patriótica.
Caracterizado
pelo intervencionismo, o outro nome
para revolta. Um recurso sempre
disponível ao qual muitas vezes se recorria para salvar a Nação.
Durante
pelo menos seis décadas, o tenentismo sobreviveu e mostrou, a cada momento, a
sua nobre e heroica face aos brasileiros. E esta face assumia as mais
diferentes características.
O
ciclo tem o seu início de lutas heroicas e marcantes em 1922, com a “Revolta do Forte de Copacabana”. Que
passou à história como “Os 18 do Forte”.
Na qual os nomes de jovens e corajosos tenentes – são bem lembrados Siqueira
Campos, Juarez Távora e Eduardo Gomes – comprovaram a sua coragem pessoal e seu
heroísmo, entrando, definitivamente, para a nossa História.
Em
sequência, irrompe em São Paulo, em 1924, agregando vários atores da revolta
anterior, o movimento que ficou caracterizado como a “Coluna Prestes”. Por aproximadamente 3 anos a Coluna percorreu o
Brasil, cobrindo quase todas as suas regiões. Numa marcha de sacrifício que
terminou no estado de Mato Grosso, quando os revoltosos sobreviventes se
exilaram na Bolívia. Deixando ali alguns companheiros mortos, sepultados no
cemitério de “La Gaiba”, em território boliviano. (Em saudação aos mortos,
tombados na Coluna, o revolucionário Moreira Lima, diante de Luis Carlos
Prestes, pronuncia uma espécie de sentença que pretendia profética, definitiva:
“Tiranos! Os vossos dias estão contados
na terra brasileira! ” (1)
Finalmente,
em 1930 os tenentes assumiram o poder, no movimento que ficou conhecido como a
“Revolução de Trinta”. Na qual teve
início uma tumultuada sequência de intervenções “salvacionistas”.
2.A
partir daí o ciclo tenentista vai assumindo novas características históricas e
políticas. Mas deixando sua marca indelével: a revolta como recurso necessário - legitimado pela história - para
resolver situações de crise e repor a ordem. Combatendo os “Carcomidos” (os corruptos e
incompetentes da época). Sempre em busca do progresso, agora com o nome de
desenvolvimento.
Resumindo,
os períodos especiais inseridos no século vinte, configuram dois ciclos
autoritários, regidos pela influência da ideologia tenentista: o início da Era Vargas (1930/1945) e a Revolução/Golpe de 64 (1964/1985). Com o
intervalo democrático de dezenove anos (1945/64), quando, mesmo com o registro
de algumas turbulências, foram realizadas eleições livres e diretas, vitoriosos
nas urnas os governos Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, JK, Jânio Quadros e
João Goulart. Este seguido pelo ciclo autoritário dos generais presidentes: Castelo
Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel, João Figueiredo. E,
finalmente, o retorno à Democracia e às normas constitucionais, vigentes desde
1985 até os dias atuais. (Eis um breve - e sumaríssimo - resumo da evolução
política contemporânea brasileira).
É
possível que o heroico ciclo intervencionista dos tenentes tenha chegado ao
fim, após quase um século de permanência entranhado na vida política da nação
brasileira. Mas caberiam, no entanto, algumas perguntas singelas: o país adentrou
em definitivo na vida democrática plena, ou estariam surgindo novos heróis
salvadores da pátria? Qual, enfim, o legado do Tenentismo?
Analisando
o legado tenentista: neste longo ciclo dos “tenentes”, iniciado na década de
1920, o país e o mundo passaram por inúmeras transformações. E o Brasil chegou
ao século 21 com várias das suas estruturas e instituições renovadas. Com
inegáveis contribuições dos longos ciclos autoritários e dos relativamente
curtos períodos democráticos. Estes, somados, perfazem um total de menos de
cinquenta anos de governos democráticos, no período de aproximadamente um
século. Livres da tutela salvacionista (e intervencionista e autoritária) dos
incansáveis heróis da pátria.
Difícil
ou mesmo impossível avaliar aonde poderíamos ter chegado com governos e
instituições vivenciando a calma e a plenitude democráticas. Mas seria justo
inserir algumas questões (irrespondíveis?) relacionadas a esse peculiar processo
histórico: a quebra repetida da ordem democrática era mesmo necessária para
garantir um futuro melhor para o país? O nobre sacrifício dos heróis da pátria
conseguiu demonstrar, historicamente, que este sacrifício era mesmo essencial
ao nosso desenvolvimento e à construção de uma sociedade civilizada?
São
questões aparentemente inócuas. Mas ainda que respondidas com natural viés político
- ideológico, poderiam servir, pelo menos, para orientar o nosso porvir, com ou sem Democracia.
(Talvez possa ficar, como sugestão, buscar colher
respostas futuras através de escrutínios e consultas populares, em plebiscitos
e/ou referendos. Para falar em nome do povo, torna-se essencial ouvi-lo).
Mirando, portanto, o futuro imaginamos que para
atingir um definitivo e estável processo civilizatório seria indispensável
chegar-se a um consenso, precedido de bem articulada e inteligente “concertacion”, (acordo) onde os fatos pretéritos passariam a constituir verdadeiramente
o passado, perene fonte de aprendizado. Dando início à tessitura de um necessário
projeto de reconciliação do país, o qual poderia ter sido iniciado há algumas
décadas. Seria sonhar muito alto? Nem tanto. Mas onde os estadistas – ou, que
seja, políticos e cidadãos com visão histórica e estratégica - dispostos a
fazê-lo? Homens e mulheres que saberiam contar o tempo em décadas, não apenas
em dias, ou minutos.
E o povo? O povo está aí. Como sempre esteve. Para
ser ouvido e consultado, como de obrigação e de direito, em todas as
democracias.
3. Millôr
Fernandes (1923-2012), um irreverente jornalista e pensador brasileiro, dizia
com o seu humor cáustico: “herói é aquele
não conseguiu fugir”. (2)
Bertolt
Brecht (1898- 1956), cultuado dramaturgo alemão, produziu uma das suas frases
mais polêmicas e instigantes: “pobre do
país que precisa de heróis”. (2)
Ao
longo do tempo, o Brasil (e a América Latina) tornou-se uma espécie de
laboratório de experiências políticas, onde os heróis consagrados e eventuais
candidatos ao posto desfilavam seu inconformismo com a situação do país. E
arrostando elevados riscos e sacrifícios, empunhavam suas armas e partiam para
fazer as revoluções transformadoras, mesmo sem o apoio prévio do povo ou, vá
lá, das “massas oprimidas”. Derrubando
autoridades constituídas e implantando, pela força, um novo projeto de país. No
claro e altruísta propósito de criar um novo regime, inventar um novo país.
Curiosamente,
este método de mudanças institucionais pelo uso da força e abstraindo o voto,
consultas à cidadania e abstraindo as manifestações populares, tornou-se uma
espécie de loucura – ou aventura – consentida, e até admirada por muitos. Que
sempre imaginaram o Brasil carente de heróis, de luta e de sangue derramado.
Pois, na visão deles, não se constrói uma pátria sem tais ingredientes.
Vejam-se os exemplos pelo mundo. E entre nós brasileiros, a opinião expressa
por um leitor do jornal “O Estado de São Paulo” – citado na epígrafe deste
artigo - no ano longínquo de 1924, que falou e disse: “ Não é sem sangue, sem sofrimento e sem sacrifício que se constrói uma
grande nação”.
Seria
este, em resumo, o fundamento da ideologia tenentista do século passado. E onde
estão os tenentes, heroicos salvadores da pátria brasileira? Gozam do merecido
repouso dos guerreiros. E deram lugar aos “novos
tenentes”. Heróis sem nenhum heroísmo.
Eles agora vestem toga e expressam a sua
confusa revolta atropelando a Lei e o Estado de Direito. Tudo em nome da
salvação do país. Fazem as suas “marchas”
pelos novos campos de batalha: os tribunais da alta e média hierarquia
jurídica, correndo mínimos (ou nulos) riscos pessoais. Sem necessidade do uso
de armas ou montarias. Falam o que bem entendem. (“Fazem a diferença”). Condenam sem provas em processos criminais. E
as suas armas são agora de outra natureza. Mas igualmente mortais e certeiras.
Não fazem jorrar sangue. Mas produzem sofrimentos e sacrifícios incalculáveis. E comprometem gravemente a Democracia. Utilizando,
impunemente, às vezes de forma pusilânime, o projétil mortal da Injustiça.
Pobre do país que
(ainda) precisa de heróis.
Até
quando aceitaremos viver na instabilidade, na insegurança jurídica e na
permanente ameaça à Democracia?
Como
diz o verso da belíssima canção do Bob Dylan:
“ a resposta está soprando no vento”...
REFERÊNCIAS
1. “As
Noites das Grandes Fogueiras” – uma história da Coluna Prestes – Meirelles,
Domingos – Ed. Record – 2013.
2. Citações
feitas de memória, pelo autor.
3. Bob Dylan – “Blowin’g in the wind” – 1963
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