N Ó S E A D E M O C R A C I A
Por: Gileno Guanabara, escritor
O fascismo começou a ser vencido na
Itália durante o verão de 1943, com o desembarque aliado na Sicília. Vittorio
Emanuele III, que convivera numa boa com os camisas
negras desde a marcha sobre Roma
(1922), liderou um golpe de estado, prendeu Mussolini, pondo em seu lugar
Pietro Badoglio. Durante 45 dias de seu governo, Badoclio foi forçado a assinar
o armistício com os aliados, provocando a invasão das tropas germânicas que
libertaram Mussolini e deram apoio a Constituição da República Social Italiana.
O rei e Badoclio fugiram para Blandisi, enquanto em Roma, sitiada pelos
nazistas, foi fundado o Comitê de Libertação Nacional-CLN, para a resistência e
unir acionistas, liberais, católicos, comunistas, socialistas, numa coalizão
contra o nazi-fascismo.
Apesar de
lideranças regionais dos comunistas, em Roma, mais radical, e as de Milão,
havia entre elas a visão política de unidade antifascista, ou, mais das vezes,
a dúvida de oposição ao rei e ao governo Badoclio. Nesta última proposta se
admitia compromissos com Badoclio, aproximando as posições de Luigi Longo e as
de Togliati. Nesse ponto, as posições de Longo agregavam socialistas e
acionistas e, em parte, até as do filósofo conservador Benedito Croce.
O desenrolar
da resistência deu caráter específico ao grau de participação e de unidade às
forças da resistência. Ocorreram a greve dos trabalhadores da Fiat de Mirafiori
(1943) e a greve geral do triângulo industrial (Turim, Milão e Gênova), que
atingiu mais de 500 mil operários.
Os últimos
meses do ano de 1943 e início de 1944 foram decisivos para a libertação da
Itália. Havia um desencontro de posições entre as forças insurgentes, em participar
ou não, do governo Badóclio, e a proposta de ser criado um governo de frente
nacional antifascista. Por influência do Congresso do CLN, em Bari, Togliati
escreveu o texto Sobre os deveres dos
comunistas italianos. Nele admite a participação dos comunistas sem
obrigatoriamente exigir a abdicação do rei, elegendo a expulsão dos alemães do
território italiano e a posterior convocação de uma Assembleia Constituinte,
com o final da guerra e a decisão sobre a monarquia e o futuro regime do país.
A fiança desse posicionamento deve-se a URSS que reconheceu a legitimidade do
governo Badoclio, tese aprovada no Conselho Nacional do PCd’I, em Nápoles. Eis
a senha para que o Sr. Ercoli Ercole assumisse o seu nome verdadeiro: Palmiro
Togliatti.
Com a nova realidade
política resultante da postura de unidade das forças da resistência teve-se a
formulação dos postulados do futuro Estado democrático italiano, onde estão inseridas
as forças que compunham aquele arco de alianças. Em que pesem as pequenas
divergências dos acionistas (Partido d’Acione), mesmo assim nasceu um novo
governo de Badoclio, com a inserção do campo democrático. A consequência desse
avanço, foi exatamente a formulação do Pacto
de Roma, subscrito pelos sindicalistas católicos, socialistas e comunistas,
e a fundação da Confederazione Generale
Italiana del Lavoro.
A resistência que se intensificou pela região de Toscana, quando do verão,
possibilitou a libertação da cidade de Florença, seguindo-se as demais cidades
do norte libertadas pelas forças partigianas,
até o ano de 1945. Nessa
compreensão ativa da luta política, consagrou-se o valor da exata compreensão
do momento e dos valorosa formulação da Resistência. Consolidou-se o modelo de
Estado de forças múltiplas, não excludentes, de concepções adversas, atuantes
nos limites respeitosos do campo político democrático.
Uma Democracia
progressiva que prestigie as forças reagentes a qualquer tentativa de assaltos
ao regime, que não vulnere as liberdades públicas, mesmo que não se surpreenda
com a inovação das demandas populares renovadas. Na realidade italiana, durante
a resistência ao nazi-fascismo, a intensidade na formulação dos debates, a
postura límpida das teses postas em julgamento, consagrou a temperança de seus
propósitos finais e a intenção de seus atores.
Um jovem
comunista, redator de L’Unitá, ainda
clandestina, que foi metralhado pelos fascistas em 1945,
escreveu seu entendimento sobre Democracia
progressiva, dizendo: seria uma
democracia nova e forte diferente, de uma parte, tanto em termos formais como
de conteúdo, da “ditadura do proletariado” (que na situação italiana de então
não passaria de uma imposição despótica dos comunistas), e, de outra parte, da
“democracia débil e conservadora” dominante na Itália pré-fascista, sendo
também naturalmente contrária a “todo resíduo das instituições e do pessoal
fascista”. Finalizou o redator
lembrando a exigência de participação maior das massas populares, em especial
da classe operária, a quem refere a condição de “classe nacional”.
O debate eleitoral
que ora é travado no Brasil é facilitado pelos meios tecnológicos de comunicação
disponíveis. Não há intempérie econômico/política que se anteponha ao debate
posto, nem perigos ocorrentes, como quando de uma Itália sob a Segunda Grande
Guerra. No entanto, no nosso caso, mesmo em os líderes partidários não revelarem
graves deformações ideológicas, nem programáticas divergentes, a ponto de os
destacar, os poderes da República se comportam na condição de alcaides regionais
a decantarem seus feitos, com liminares, datas e ocorrências de nascimento
próprios de uma luta provinciana.
O que se
reserva ao Brasil mulato e distinto, de cores e tambores que tingem e rufam
desde o olodum ao samba carioca, o
Brasil de cafuzos e malandros, de traquinagens e Macunaíma tupiniquins, sobra
muito pouco. Que república desejamos? Que caminhos prosseguir? Que debate
desejamos ouvir? Sobre isso, nada. A
democracia tem um lastro oponível, desde muito antes até a solução de suas
crises. É possível ter a melhor compreensão, comungar e externar os fatos, para
a superação.
Não há como atribuir
culpa puerperal depois dos equívocos. Compete aos líderes, por mais respeito
aos desvalidos, contribuir para que as forças sejam tendenciadas à coerência
política, à superação da crise. Nada é melhor do que nós.
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