Uma Sessão no Cinema Rio Grande
Elísio Augusto de Medeiros e Silva
Empresário,
escritor e membro da AEILIJ
Quando
a vi pela primeira vez, não sabia que ela estava destinada a ser a minha
companheira definitiva; a minha outra metade; a asa que me apoiaria durante
minha existência.
O
primeiro olhar foi à distância, quando meu jeep 1954 quebrou em frente à sua
residência, na Avenida Deodoro.
Descobri
o número do telefone do “brotinho”. Os telefones de Natal eram de quatro
algarismos – fáceis de decorar. O de sua residência era 32-33. Os dois
primeiros algarismos eram sucedidos em ordem natural numérica.
Passei
a telefonar-lhe com frequência. Certo dia liguei para convidá-la a assistir uma
matinê do Cine Rio Grande, que exibia um filme badaladíssimo à época.
Claro
que para isso ela teve que obter o consentimento dos pais. Depois de tudo
acertado, nos encontramos em frente ao cinema da Av. Deodoro – ela estava linda
e deslumbrante. Vale salientar que, até então, somente a vira no uniforme do
Colégio Imaculada Conceição – saia azul pregueada e blusa branca, abraçada aos
seus livros.
Entramos
no Rio Grande – a censura do filme, 14 anos, deu-me certo alívio, pois acho que
ela seria barrada se a exigência fosse maior (tinha cara de menina).
Ela
não aceitou que eu pagasse a entrada dela e da acompanhante – quase paga a
minha! Soberba, não?!
Naquele
tempo, moças de família não iam ao cinema desacompanhadas – levavam sempre alguém
mais velho de sua família.
Compramos
torrones, balas Déa, batons Leite e Mel, drops Dulcora, Sonho de Valsa, na
bombonière e entramos na sala de projeções do andar térreo do Rio Grande.
Como
eram desconfortáveis aquelas cadeiras! Felizmente, o salão de projeção estava
quase vago, e pudemos escolher onde sentar. Acomodamo-nos na fila do meio,
longe daqueles incômodos e barulhentos ventiladores de coluna.
Ela
se mostrava tímida e sem jeito. Após os sonoros sinais (tum, tum, tum), a luz
apagou, as cortinas se abriram e a projeção iniciou com o tradicional jornal.
Bastante
nervoso, demorei bastante para ter coragem de tentar pegar na sua mão, que
cheirava a Blue Lotus, perfume da época. Depois de várias investidas, às quais
ela resistia e puxava a mão, finalmente ela consentiu. Não sei qual mão estava
mais gelada... a minha ou a dela.
O
avanço dos carinhos permitiu que, além de pegar na sua mão, também colocasse a
mão no seu ombro. Beijar?! O que vocês estão pensando?! No início dos namoros
isso era proibitivo. O primeiro beijo entre um casal de namorados só acontecia
depois de vários meses de namoro – às vésperas do noivado.
E,
assim, no escurinho do cinema, assistimos ao filme, de mãos dadas, sob os
olhares vigilantes da moça que nos acompanhava.
Saindo
do cinema, fomos lanchar no Estoril, uma pequena lanchonete que ficava na Rua
Coronel Cascudo, na Cidade Alta. Depois do lanche, vimos algumas vitrines de
lojas: A Formosa Syria, Nova Paris, Sapataria Elite...
Em
seguida, fui levá-las de volta para casa, que, por sinal, ficava na mesma
Avenida do Cinema Rio Grande. Deixei as duas em sua residência e fui embora
exultante, indo comemorar no “Bar do Vovô”.
Voltei
no dia seguinte e o nosso “namoro de portão” iniciou – com conversas bobas,
risadas fáceis e palavras meigas. Já são mais de 40 anos de convivência, de
lutas, de vitórias e também de desapontos.
Não
sei se namoros assim ainda acontecem!
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