quinta-feira, 23 de outubro de 2014

História de um amor


Uma Sessão no Cinema Rio Grande

Elísio Augusto de Medeiros e Silva


Empresário, escritor e membro da AEILIJ


Quando a vi pela primeira vez, não sabia que ela estava destinada a ser a minha companheira definitiva; a minha outra metade; a asa que me apoiaria durante minha existência.

O primeiro olhar foi à distância, quando meu jeep 1954 quebrou em frente à sua residência, na Avenida Deodoro.

Descobri o número do telefone do “brotinho”. Os telefones de Natal eram de quatro algarismos – fáceis de decorar. O de sua residência era 32-33. Os dois primeiros algarismos eram sucedidos em ordem natural numérica.

Passei a telefonar-lhe com frequência. Certo dia liguei para convidá-la a assistir uma matinê do Cine Rio Grande, que exibia um filme badaladíssimo à época.

Claro que para isso ela teve que obter o consentimento dos pais. Depois de tudo acertado, nos encontramos em frente ao cinema da Av. Deodoro – ela estava linda e deslumbrante. Vale salientar que, até então, somente a vira no uniforme do Colégio Imaculada Conceição – saia azul pregueada e blusa branca, abraçada aos seus livros.

Entramos no Rio Grande – a censura do filme, 14 anos, deu-me certo alívio, pois acho que ela seria barrada se a exigência fosse maior (tinha cara de menina).

Ela não aceitou que eu pagasse a entrada dela e da acompanhante – quase paga a minha! Soberba, não?!

Naquele tempo, moças de família não iam ao cinema desacompanhadas – levavam sempre alguém mais velho de sua família.

Compramos torrones, balas Déa, batons Leite e Mel, drops Dulcora, Sonho de Valsa, na bombonière e entramos na sala de projeções do andar térreo do Rio Grande.

Como eram desconfortáveis aquelas cadeiras! Felizmente, o salão de projeção estava quase vago, e pudemos escolher onde sentar. Acomodamo-nos na fila do meio, longe daqueles incômodos e barulhentos ventiladores de coluna.

Ela se mostrava tímida e sem jeito. Após os sonoros sinais (tum, tum, tum), a luz apagou, as cortinas se abriram e a projeção iniciou com o tradicional jornal.

Bastante nervoso, demorei bastante para ter coragem de tentar pegar na sua mão, que cheirava a Blue Lotus, perfume da época. Depois de várias investidas, às quais ela resistia e puxava a mão, finalmente ela consentiu. Não sei qual mão estava mais gelada... a minha ou a dela.

O avanço dos carinhos permitiu que, além de pegar na sua mão, também colocasse a mão no seu ombro. Beijar?! O que vocês estão pensando?! No início dos namoros isso era proibitivo. O primeiro beijo entre um casal de namorados só acontecia depois de vários meses de namoro – às vésperas do noivado.

E, assim, no escurinho do cinema, assistimos ao filme, de mãos dadas, sob os olhares vigilantes da moça que nos acompanhava.

Saindo do cinema, fomos lanchar no Estoril, uma pequena lanchonete que ficava na Rua Coronel Cascudo, na Cidade Alta. Depois do lanche, vimos algumas vitrines de lojas: A Formosa Syria, Nova Paris, Sapataria Elite...

Em seguida, fui levá-las de volta para casa, que, por sinal, ficava na mesma Avenida do Cinema Rio Grande. Deixei as duas em sua residência e fui embora exultante, indo comemorar no “Bar do Vovô”.

Voltei no dia seguinte e o nosso “namoro de portão” iniciou – com conversas bobas, risadas fáceis e palavras meigas. Já são mais de 40 anos de convivência, de lutas, de vitórias e também de desapontos.

Não sei se namoros assim ainda acontecem!

 
(in memoriam)
 

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