quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Um apelo

Publicação: 2014-09-21 00:00:00 | Comentários: 0
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Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador regional da República

Os que leem o que eu escrevo aqui já devem ter notado: sou um entusiasta da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal e da valorização, como forma de otimizar a prestação jurisdicional, dos precedentes judiciais em geral.

Em razão disso, uma coisa tem me preocupado: o Supremo Tribunal Federal simplesmente parou de editar enunciados de sua Súmula Vinculante. Foram cerca de 30 enunciados, sendo o último de 2011, e pronto.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal pode aprovar, revisar ou cancelar enunciados de sua Súmula Vinculante de ofício ou por provocação externa (CF, art. 103-A, caput e § 2º e art. 2º da Lei 11.417/06). Quando agir de ofício, isso pode ser feito por proposta de um ou mais de um de seus ministros. Quanto à legitimidade para a provocação externa, o § 2° do art. 103 da Constituição Federal e o art. 3ª da Lei 11.417/06 dispõem que a aprovação, revisão ou cancelamento de enunciado da Súmula poderá ser provocada, entre outros, por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

Sei que o quórum para aprovação de um enunciado vinculante não é simples. Segundo o art. 103-A da Constituição Federal e o § 3º do art. 2º da Lei 11.417/06, a aprovação dá-se por decisão de dois terços dos seus membros. E é interessante notar que o quórum de 2/3, proporcionalmente, é maior que o quórum de 3/5, necessário para a aprovação de emenda constitucional, o que faz presumir o quão difícil é a aprovação, revisão e cancelamento de enunciado da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal.

Sei, ademais, que o § 1º do art. 103-A da Constituição Federal (assim como o § 3º do art. 2º da Lei 11.417/06) deixa claro que a súmula vinculante terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, afastando de seu objeto, assim, as questões de fato. Os enunciados vinculantes devem versar somente sobre questões ou teses jurídicas. Quanto aos fatos, mesmo que se trate de questão jurídica já sumulada, os juízes deverão analisá-los atentamente a fim de verificar se eles realmente se subsumem ao enunciado da Súmula. 

Sei, também, que nem todas as questões de direito poderão ser objeto de enunciado vinculante. A Emenda Constitucional 45/04 (ver redação do art. 103-A, caput, da CF) atribuiu ao Supremo Tribunal Federal prerrogativa de editar Súmula Vinculante apenas em matéria que tenha conteúdo constitucional. A matéria, geralmente, dirá respeito, também, a um outro ramo do Direito (previdenciário, tributário etc.), mas deve ter conteúdo constitucional.

Sei, ainda, que alguns ramos do Direito possuem natureza compatível com os enunciados curtos e precisos de uma súmula; outros, não. No primeiro grupo, estão, por exemplo, o direito tributário e o direito previdenciário: em regra, apesar da complexidade de suas teses jurídicas, as questões fáticas não são de grande complexidade. Mas há ramos do Direito, como o direito penal e o direito de família, em que, além das teses jurídicas por vezes tormentosas, as questões de fatos são quase sempre bastante complexas, de profundo casuísmo, impedindo a incorporação na súmula vinculante ou, ao menos, dificultando-a sobremaneira. 

Sei, por fim, que, nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu outras prioridades, tais como julgar a famosíssima Ação Penal 470 (conhecido como o caso do “Mensalão”) e fomentar o incremento do importantíssimo instituto da Repercussão Geral nos Recursos Extraordinários. 

Mas acredito que chegou a hora de fazer um apelo. E duplamente direcionado.

Primeiramente, ao próprio Supremo Tribunal Federal e aos seus ministros. Afinal, como visto, pode-se agir de ofício. Em segundo lugar, aos legitimados do art. 103 da Constituição Federal (aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade). Numa democracia representativa como a nossa, eles “representam”, bem ou mal, os jurisdicionados como um todo ou, ao menos, parcela considerável deles. Como o fim da Súmula é ter caráter de vinculação geral, nada mais natural que eles muito usem (mas não abusem) da prerrogativa para provocar a aprovação, revisão ou cancelamento de enunciados vinculantes.

Meu apelo é: Ministros, editem! Legitimados, provoquem! Mas do que isso, exijam! A coisa está parada desde 2011. Chegou a hora.

Para finalizar, reitero uma ideia que já defendi aqui: a Súmula Vinculante não é o remédio milagroso para todos os males da Justiça brasileira, mas que é um bom anti-inflamatório, qualquer clínico geral, como eu, sabe que é. 

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