Sobre o caos e seus efeitos
Publicação: 2014-08-31 00:00:00 | TN
Luciano Ramos
Procurador-Geral do Ministério Público de Contas/RN; Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas (CNPGC)
Procurador-Geral do Ministério Público de Contas/RN; Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas (CNPGC)
A
dinâmica de sistemas caóticos impressiona até mesmo quem já se
acostumou a olhá-los diariamente. As pessoas e suas ações interagem de
uma maneira tal, que, o menor ruído é capaz de causar grande estrago, em
uma sucessão em cascata avassaladora.
Ao pensar alto sobre isto,
imediatamente me vem à mente o filme Efeito Borboleta e sua
demonstração do encadeamento de ações, partindo de um simples bater de
asas de uma borboleta na América do Sul, até as relações de causa e
efeito decorrentes deste ato banal acarretarem uma tempestade no Japão.
Mas
não precisamos ir tão longe, com tanta abstração, para entender o
quanto a ausência de uma mínima ordem estabelecida pode gerar efeitos
catastróficos a partir de intempéries cotidianas, que seriam facilmente
resolvidas se a desordem não fosse generalizada.
E em matéria de
caos, notadamente nas contas públicas, o Rio Grande do Norte dos últimos
anos é um peculiar caso a ser estudado, a começar pelo fato de estar há
anos em inércia estacionária no limite prudencial estabelecido pela Lei
de Responsabilidade Fiscal para despesas com pessoal, sem que tenha
havido maiores ajustes para adequar a relação preocupante entre receitas
e despesas.
Ao revés, leis com aumentos vão sendo aprovadas com
pouco ou nenhum critério, ao sabor da pressão caótica do momento. E
vai-se mais uma benesse a impactar na folha de pagamentos, que de há
muito já não cabe no PIB do Rio Grande do Norte.
Mas a lógica é:
“farinha pouca, meu pirão primeiro!”. E, mais uma vez, adia-se a
perspectiva de sair do limite prudencial e de evitar os entraves que a
lei impõe toda vez que ele é ultrapassado. Sem perspectiva de sair do
caos, passa-se a conviver com ele e seus efeitos cada dia mais
agigantados.
E esta semana trouxe mais um exemplo concreto para o
Ministério Público de Contas, com os efeitos já sentidos e em
perspectiva deste estado de coisas. Em virtude da nossa duradoura e até
aqui inquebrantável relação com o limite prudencial da LRF, há três anos
não há progressão na carreira da Polícia Militar do Estado do Rio
Grande do Norte, com postos-chave sendo esvaziados porque os
profissionais aptos da corporação não podem preencher os degraus
subsequentes de sua hierarquia, barrados pelo gargalo financeiro ao qual
insistimos em permanecer presos.
À evidência, os efeitos deste
fato vão muito além dos valores mensais que deixam de ser gastos com as
progressões não realizadas – embora isto seja uma ilusão, pois a fatura
chegará na forma de indenização, mais dia ou menos dia. Claramente, esta
circunstância não está dissociada de todos os dissabores que a
população tem vivido em decorrência da insegurança pública atual.
Se
não é causa única de tantos crimes e de seu crescimento alarmante,
diante do caos generalizado da atual gestão pública, ainda assim, é
plenamente possível estabelecer uma sucessão de fatos desde estas
negativas de promoção até os arrastões e homicídios em patamares jamais
vistos – basta ter ciência de que já há dificuldade para preencher até o
posto de graduado responsável por uma viatura em atendimento a uma
ocorrência.
Reconhecida esta correlação de fatos, com efeitos
imediatos e outros mais distantes, a solução do problema não pode passar
por uma intervenção pontual, como uma nova interpretação da Lei de
Responsabilidade Fiscal, à luz das peculiaridades da hierarquia militar,
tal qual nova consulta formulada ao Tribunal de Contas do Estado e
ainda pendente de resposta, recém chegada no Ministério Público de
Contas para análise.
Os problemas de um sistema caótico só são
resolvidos com soluções amplas, em que as diversas variáveis são
atacadas. Do abstrato ao concreto, sem buscar e enfrentar as origens do
inchaço da folha de pagamentos, reinterpretar a LRF a cada problema novo
gestado no caos, nada mais será do que o bater de asas de uma
borboleta: quase nada, mas que pode gerar efeitos incalculáveis.
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