SÍNTESE HISTÓRICA DO MAIOR GRUPO EMPRESARIAL DO RIO GRANDE DO NORTE - AUTORIA: TOMISLAV R. FEMINICK.
A PRIMEIRA ONDA DO DESENVOLVIMENTO
SÍNTESE HISTÓRICA DO MAIOR GRUPO EMPRESARIAL DO RIO GRANDE DO NORTE -
Tomislav R. Femenick
Na última quadra do século XIX, o
cenário empresarial de Mossoró registrou uma grande expansão. A cidade
já contava com quase uma centena de firmas e teve um crescimento que
superou todos os mercados concorrentes. Essa onda de desenvolvimento
atraiu, inclusive, pessoas e empresas de outros países que para lá
foram, tais como: Johan Ulrich Graf, Feles Finizola, Leges & Cia.,
William Dreifles, Henri Adams & Cia., Gustav Brayner, Guines &
Cia., Conrad Mayer e o português José Damião de Souza Melo. Afora os
estrangeiros, mossoroenses e pessoas de outros lugares do Nordeste
também abriam casas de negócios. Foi o caso da Casa Mossoró & Cia.,
do cearense Joaquim da Cunha Freire, o Barão de Ibiapaba, Oliveira &
Irmão, Souza Nogueira & Cia., Mota & Cavalcanti, Vicente da
Mota & Cia., as firmas de Joaquim Zeferino de Holanda Cavalcanti,
Teodoro José Pereira Tavares, Miguel Faustino do Monte, Antonio Soares
do Couto, Manuel Lucas da Mota, Benício Mota e muitos outros. Dentre
eles destacou-se Francisco Tertuliano de Albuquerque. A presença de
todos esses homens de negócios se refletia na intensa movimentação do
porto de Areia Branca. De 1893 a 1895, cento e cinquenta e seis
embarcações atracaram naquele porto e em 1911, cento e treze navios
nacionais e outros 153 estrangeiros levaram naquele porto e em 1911,
cento e treze navios nacionais e outros 153 estrangeiros levaram
produtos negociados por empresários de Mossoró, sendo 33 noruegueses, 30
ingleses, 50 alemães, 17 dinamarqueses, 10 suecos, seis holandeses,
quatro portugueses, um americano, um francês e um russo. O porto de
Areia Branca movimentava anualmente de 200 a 250 mil toneladas de
cargas, enquanto o porto de Natal movimentava cerca de 40 mil e os de
Fortaleza e Cabedelo, 90 mil cada um deles. Era o sétimo maior porto do
Brasil, em movimentação de tonelagem. O porto dos mossoroense contribuía
com 58% das receitas portuárias do Estado, enquanto que Natal
contribuía com 40%, e Macau apenas com 2%. Até o final do século XIX,
todas as mercadorias exportadas pelas firmas de Mossoró seguiam-se até o
Porto de Santo Antônio, localizado a jusante do Rio Mossoró, em carros
de bois ou comboios de burros, que conduziam fardos de algodão, peles e
cera. Dali, os volumes eram transferidos em embarcações à vela até Areia
Branca, de onde por sua vez, eram levados aos navios de maior calado,
que ficavam ancorados em alto mar. De volta, os carros de bois e
comboios traziam mercadorias importadas do exterior ou outras regiões do
país, que eram levadas para Mossoró, de onde eram remetidas ao alto
sertão potiguar, ao Ceará, à Paraíba ou mesmo para Pernambuco. Foi nesse
cenário que, no ano 1869 o jovem Francisco Tertuliano de Albuquerque
iniciou o seu comércio de fazendas, ferragens e miudezas, tudo em
pequena escala, tanto assim que o seu capital inicial foi de apenas
dezenove contos de réis. No ano seguinte a empresa foi devidamente
regularizada, com o nome de F. T. de Albuquerque, e com a marca de
fantasia de “Casa Tertuliano”. Depois sua razão social foi alterada,
sucessivamente, para F. T. de Albuquerque & Cia., Tertuliano
Fernandes & Cia. e, finalmente, S/A Mercantil Tertuliano Fernandes,
em 1949. O primeiro gerente da firma foi o Dr. Euclides Saboia. A
história da empresa está intimamente ligada à figura de Raimundo Nonato
Fernandes, que nela ingressou como simples contínuo, foi nomeado gerente
e, mais tarde, tornou-se sócio de seus antigos patrões. A expansão das
atividades do grupo (incluindo a negociação de cera de carnaúba, peles e
outros produtos da região) e a adoção de técnicas modernas no setor
algodoeiro e salineiro levaram a SAMTEF a ser o maior grupo empresarial
do Rio Grande do Norte. O IMPÉRIO DO SAL No início do século passado, o
sal potiguar era bem conhecido e aceito no nordeste e em poucas outras
regiões do país, enquanto que no sudeste, no centro-oeste e no sul, era
consumido quase que exclusivamente sal importado de Cádiz, na Espanha.
Raimundo Nonato Fernandes conseguiu vender a uma firma sulina trezentas
toneladas de sal, por preço irrisório. Não queria lucro com essa
transação, sim abrir o mercado para o nosso produto. Com esse ato o sal
de do Rio Grande do Norte se impôs aos compradores nacionais. Esse foi o
primeiro passou para a criação do verdadeiro império empresarial
representado pelas empresas produtoras e refinadoras de sal, controladas
pela S/A Mercantil Tertuliano Fernandes: a SOSAL, Salinas Guanabara e
SALMAC. Até o final da primeira metade do século passado, nas margens
dos rios Mossoró e Assú e de seus afluentes, o sal era produzido por
processos arcaicos e antieconômicos. Somente a privilegiada localização
das salinas é que pode sustentar essa “indústria artesanal”, com uma
enganadora não necessidade de novas técnicas para se produzi-lo, muito
embora o produto fosse caro, industrialmente falando. O sol abrasador,
os ventos constantes, o solo impermeável e água com grau de salinidade
superior à da água do mar escondiam essa carência. Porém novos tempos
chegaram e a SAMTEF, correu em busca de novas tecnologias, que
representassem menos custos. A Salinas Guanabara S/A foi a primeira
salina brasileira integralmente planificada e totalmente mecanizada. Uma
verdadeira fábrica de fazer sal. A SUDENE a considerou como um dos
empreendimentos prioritários para o “desenvolvimento zonal salineiro”,
com produção de 150 mil toneladas/ano, nos primeiros anos de sua
atividade. Ocupava uma érea de 10.000.560 metros quadrados e operava com
apenas 114 empregados, em perfeitas condições de trabalho. Dispunha de
uma vila operária modelo, ambulatório, cooperativa de consumo, posto de
saúde, escritórios, oficinas e garagem, tudo com água encanada, energia
elétrica e rede de esgotos. A unidade produtora da SOSAL-S/A Salineira
do Nordeste ocupava uma área de 26 milhões de metros quadrados, com uma
zona de cristalização de 200 mil metros quadrados, onde no final dos
anos 1960 eram produzidas 400 mil toneladas de sal. Tinha 80 empregados
fixos e mais de 1.200, de setembro a março. Seu projeto incluía uma vila
operária, oito alojamentos, um laboratório, um posto de observações
meteorológicas, um restaurante, cooperativa de consumo, escola, clube
para funcionários, ambulatório médico, escritórios, almoxarifado, posto
de serviço e garagem. Por sua vez a SALMAC-Salicultores de Mossoró Macau
Ltda. era proprietária da Salina São Vicente, também em Mossoró, cuja
capacidade de produção era de 30 mil toneladas anuais. Entretanto suas
atividades principais eram o refino e a distribuição da produção de do
sal do grupo nos mercados consumidores, principalmente nos Estados de
São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso e Espírito Santo. No porto de
Santos-SP, possuía instalações de desembarque, com equipamentos que
possibilitavam um fluxo normal de 300 toneladas por hora e, ainda, um
depósito com capacidade de armazenamento para 25 mil toneladas de sal.
Na capital paulista possuía outro depósito, com capacidade de cinco mil
toneladas, e, ainda, um centro de moagem e refino. No Rio de Janeiro,
tinha um depósito para sete mil toneladas de sal e instalações de moagem
e refino. Visando obter recursos para incrementar o seu crescimento
empresarial, a S/A Mercantil Tertuliano Fernandes se associou ao grupo
do banqueiro Walter Moreira Sales (Unibanco), cedendo 50% das ações da
SOSAL e Guanabara. Posteriormente, o grupo Moreira Sales transferiu sua
participação para a norte-americana Morton International Inc. (hoje,
Morton Nortwich Products Inc.), através de sua subsidiária Morton’s Salt
Company, de Salt Lake City. O IMPÉRIO DO ALGODÃO O complexo algodoeiro
da S/A Mercantil Tertuliano Fernandes se espalhava por toda região oeste
potiguar. Possuía unidades de compra e/ou beneficiamento de algodão nas
cidades de Pau dos Ferros, Apodi, Caraúbas, São Miguel, José da Penha,
Marcelino Vieira, Patu e outras, além de grandes instalações de
descaroçamento, enfardamento de algodão e linter e prensagem e extração
de óleo em Mossoró. Nessa última foi utilizado pela primeira vez no
Estado, no início dos anos 1960, o sistema de extração de óleo com a
utilização de solvente químico. Nessa mesma década, foram criadas duas
empresas subsidiárias: a Usina São Vicente S/A passou a cuidar das
operações de compra e descaroçamento de algodão, bem como a venda do
produto para o mercado nacional. Por sua vez, a Fábrica Raimundo
Fernandes S/A realizava a extração de óleos vegetais. Sua linha de
produção era composta de óleo bruto, semirrefinado e refinado; linter,
borra de linter, torta magra (farelo), casca e borra de óleo. Dentre
esses produtos, destacava-se o óleo comestível da marca Pleno. O próximo
passo seria a implantação de uma unidade produtora de margarina, cuja
maquinaria já estava sendo adquirida. Com o lançamento desse novo
produto, a Fábrica Raimundo Fernandes completaria o ciclo de utilização
integral dos recursos industrializáveis do caroço de algodão. A nova
unidade estaria capacitada para produzir anualmente 2.290 toneladas de
óleo bruto de algodão, 2.106 toneladas de óleo refinado, 1.310 toneladas
de gordura hidrogenada, 1.700 toneladas de margarina, 61 toneladas de
linter, 61 toneladas de borra de linter, 7.350 toneladas de torta magra
(farelo), 1.225 toneladas de casca e 366 toneladas de borra de óleo.
OUTRAS ATIVIDADES Além dos complexos salineiro e algodoeiro, a S/A
Mercantil Tertuliano Fernandes se dedicou também ao comércio e
exportação de cera de carnaúba e couros, importação, navegação,
agenciamentos, comissões, representações, consignações, agricultura,
pecuária, administração de bens próprios ou de terceiros e particulares
em outras empresas. Na Fazenda Itaoca, localizada nos municípios de
Caraúbas e Apodi (com uma área de 6.000 hectares que continha dois
açudes) possuía cerca de 2.000 cabeças de gado e aproximadamente 10 mil
carnaubeiras. Também faziam parte do grupo as empresas Apodi de
Administração e Participações S/A, a holding do grupo, e
SOTRAN-Sociedade Brasileira de Transporte Rio Mossoró Ltda; está última
fazia o transporte do sal das salinas ao costado dos navios em alto mar,
com embarcações próprias. OS EMPREENDEDORES A S/A Mercantil Tertuliano
Fernandes somente conseguiu crescer graça ao espírito empreendedor de
seus dirigentes. Homens com a visão de Francisco Tertuliano de
Albuquerque e Raimundo Nonato Fernandes, na implantação da empresa, e
Euclides Saboya, Vicente José Tertuliano Fernandes, Francisco Xavier
Filho, Rodolfo Fernandes, Paulo Fernandes, Rafael Fernandes Gurjão,
Julio Fernandes Maia, José de Oliveira Costa, e José Martins Fernandes,
na etapa seguinte da sua consolidação. No seu grande momento, durante a
expansão de seus negócios pelo país, o grupo SAMTEF foi conduzido por
Valdemar Fernandes Maia (presidente) e Antônio Florêncio de Queiroz, bem
como Aldemar Fernandes Porto e Francisco de Queiroz Porto, além de
Heriberto Escolástico Bezerra, Renato Costa, Gabriel Fernandes de
Negreiros, Jorge Paes de Carvalho, Humberto Vieira Martins, Fernando
Paes de Carvalho, Francisco de Assis Queiroz, Fausto Pontes, Francisco
Canindé de Queiroz, João Marcelino, Genésio Rebousas e muitos outros.
Todavia, o artífice do seu crescimento foi Antônio Florêncio de Queiroz.
Dele foram todas as grandes ideias e todos os grandes projetos; era o
porta-voz das inovações e da modernização da empresa. Foi eleito
deputado federal por quatro legislaturas consecutivas. A CRISE DO
ALGODÃO É comum, inclusive entre estudiosos do assunto, atribuir-se ao
bicudo (Anthononus grandis) a causa da crise da cotonicultura do
Nordeste e, por extensão do nosso Estado. O certo é que foi uma série de
fatores – que se sucederam e se repetiram ao longo do tempo – que
impactaram o setor, provocando uma verdadeira hecatombe na agricultura,
no comércio e na indústria ligada ao cultivo e beneficiamento do
algodão. O bicudo apenas foi mais um desses fatores; muito danoso, porém
não o mais letal. A ação de combate à praga exigia a pulverização das
plantações utilizando agrotóxicos altamente danosos à outras espécies;
vegetais e animais. Dependendo da região e das condições locais, o custo
anual do produtor no combate ao bicudo variava entre R$ 200,00 e R$
300,00 (em moeda corrente), por hectare, o que inviabiliza a
continuidade de muitos produtores no setor. Entretanto, “causa mortis”
da nossa cultura algodoeira foram fatores econômicos, acoplados à baixa
produtividade. A escassez de recursos, as altas taxas de juros para
financiamento da produção e beneficiamento da pluma e do caroço foram
problemas levantados há quase sessenta anos nos “Encontros de
Desenvolvimento do Rio Grande do Norte”, organizados pela SUDENE em
Mossoró, Caicó e Pau dos Ferros. Pelo que ali foi dito, o montante das
linhas de créditos, oferecidas pelo Banco do Brasil e Banco do Nordeste
aos agricultores e maquinistas, sempre foram insuficientes, fato que
ensejou o aparecimento dos atravessadores. Esses agentes foram
importantes para o sistema, porém agregavam os custos, que já eram
exorbitantes. Ainda no campo econômico, outro aspecto encarecia (e ainda
encarece) a produção do algodão potiguar: a quase ausência de economia
de escala. A nossa cotonicultura é oriunda de unidades produtoras
familiares de pequenas dimensões, verdadeiros minifúndios, além do mais
em espaços não contínuos. Cada uma dessas unidades cuida do seu preparo
da terra, do seu plantio, da sua aplicação de defensivos, da sua
colheita etc., numa cadeia de custos que se multiplicam. Por outro lado,
a pequena dimensão das propriedades dificulta a mecanização dos
processos, geralmente realizada com máquinas caras, até quando alugadas.
Matéria-prima prima escassa (e cara) sustou os projetos de crescimento e
mesmo de continuidade das unidades algodoeiras do grupo SAMTEF. A CRISE
DO SAL A primeira grande crise nas unidades salineiras ocorreu em 1961,
quando o Rio Mossoró invadiu as salinas de Mossoró, Grossos e Areia
Branca, provocando um serio prejuízo aos industriais salineiros, pela
destruição de aproximadamente 600 toneladas de sal e das benfeitorias
existentes nas salinas. Entretanto o maior prejuízo foi causado às
iniciativas de mecanização das salinas, principalmente aquelas
desenvolvidas pelos grupos S/A Mercantil Tertuliano Fernandes, F. Souto,
Paulo Fernandes e Miguel Faustino Souto do Monte. A esse cenário se
juntavam os altos custos de carregamento dos navios, transporte e
desembarque nos portos do centro e sul do país, o mercado consumidor do
produto. Essa fase era tão ou mais arcaica que a primeira, fazendo com
que o sal produzido no Rio Grande do Norte custasse mais de seis vezes
quando chegava a São Paulo e no Rio de janeiro. A situação, que era
delicada, caminhava para ficar alarmante. Durante a visita que realizou a
Mossoró, em fevereiro de 1967, Mario Thibau, o então Ministro das Minas
e Energia, declarou que a indústria salineira do Rio Grande do Norte
poderia sofrer um grande abalo dentro de prazo médio. No mesmo ano, o
Instituto Brasileiro do Sal foi extinto e em 1970 os norte-americanos
adquiriram o restante das ações da SOSAL e da Guanabara, ficando com a
totalidade do capital social de ambas, para o que teriam contado com
recursos do grupo Rockefeller. Foi o início do fim do maior grupo
empresarial do Rio Grande do Norte.
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