A economia no caminho do vinagre
Tomislav R. Femenick – Contador, mestre em
economia.
Recentemente
fui convidado para almoçar na casa de um casal amigo. Como manda a praxe, escolhi entre as minhas
poucas garrafas de vinho aquela que seria a melhor opção para levar. Era o tipo
certo de vinho, da marca certa, da safra certa. Era minha obrigação “fazer
bonito” junto a pessoas que cultivam o prazer de uma boa mesa, com um bom
vinho. Estava todo correto, até a hora de abrir a garrafa. A rolha tinha um defeito
e o lacre não foi capaz de impedir a penetração do ar. Resultado: o vinho
vinagrou; um vinho maravilhoso tinha se transformado em apenas um vinagre
razoável.
Esse
fato corriqueiro e extremamente particular veio a minha mente quando comecei a
analisar alguns dados da economia nacional, referentes a datas que correspondem
aos meses recém-passados. A avaliação crítica desses elementos conduziu-me a
conclusões que se chocam entre si. Há fatos bons e adequados, porém o viés, o
comportamento dos índices no decorrer do tempo, apontam para um futuro se não
aterrorizador, mas certamente preocupante.
O
país ainda tem um confortável estoque dólar e euro, as chamadas moedas fortes,
que faz com que não exista problema de rolagem de dívida externa, e a inflação
não atinge um patamar gritante; fonte das crises tradicionais que sofremos no
passado. Todavia, nada garante que esse cenário se sustente por muito tempo. O
que realmente preocupa é o “estado de espírito” que contamina o futuro da economia do país, isso em
decorrência de fatos concretos.
A expectativa do PIB
brasileiro para este ano decresce, em linha de queda sem interrupção, sempre
abaixo de 1%. O emprego na indústria registrou um retrocesso de 0,7% em
julho e no ano já acumula perda de 2,6%. As montadoras de veículos vêm
reduzindo sua produção de maneira contínua. A Nissan suspendeu temporariamente
o contrato de trabalho de 279 funcionários. Outras foram mais longe: a
Peugeot-Citröen, suspendeu o contrato de 650 empregados e a General Motors de 930
da sua fábrica em São José dos Campos-SP. O setor de caminhões foi o que mais
sofreu com as medidas idênticas em agosto, que atingiu as fábricas da MAN,
Mercedes-Benz, Ford, Iveco e Volkswagen.
Na
quarta-feira passada, o Ibovespa encerrou com queda de 0,81%, acumulando
perdas de 5,97% nos últimos seis pregões e o dólar fechou em alta; em três dias
a moeda norte-americana acumulou ganhos de 2,10% ante o real. Em agosto passado, a inadimplência do consumidor
registrou uma variação de 17,2%, se comparada com o mesmo mês de 2013, e 2,5%
acumulada no ano. Esse último fato indica um desaquecimento do modelo de
incentivo ao consumo, adotado nos governos Lula e Dilma.
A Moody's, uma
agencia de classificação de rating, revisou a perspectiva do Brasil de estável
para negativa e para baixo a nota de crédito do BNDES, Caixa Econômica, Banco
do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander e HSBC. A causa dessa atitude da Moody's,
entre outras, talvez tenha sido os abalos sentidos pelo chamado tripé
macroeconômicos: a flutuação cambial, as taxas de juros e a meta anual de
superávit “primário” (uma espécie de poupança para pagar os juros da dívida
pública) que sofrem interferência conforme seja o interesse momentâneo; a nova matriz
de flexibilização econômica do governo Dilma.
Todos
esses acontecimentos incutiram nas pessoas, principalmente nos empresários, a
incerteza do crescimento e, mais preocupante ainda, a certeza da estagnação
econômica. E o estado de espírito é um componente determinante, essencial
mesmo, para o desenvolvimento. Consequência: menos investimento, menos emprego,
menos consumo.
E para terminar quase
como começamos: em agosto, a produção nacional de cerveja registrou a segunda
queda consecutiva, com recuo de 7,7%.
Tribuna
do Norte. Natal, 14 set. 2014.
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