O artigo "A arte de enganar os pobres", de Ferreira
Gullar, na FSP de 27.4.14 é um libelo que deveria ser objeto de reflexão
de todos os que ainda não perderam a capacidade de se preocupar com o
futuro do Brasil.
O quadro de desalento é geral. Ninguém consegue enxergar
possibilidade de reversão rumo ao caos. O Estado, que deveria ser
instrumento de realização das potencialidades individuais e dos grupos menores,
eis que uma sociedade de fins gerais, tornou-se onipotente, onisciente e
vocacionado a crescer até o infinito.
A conta não fecha. O Brasil das contradições adota a livre
iniciativa, o valor do trabalho, a Democracia participativa. Mas resta
envolvido numa teia burocrática suficiente a sufocar o protagonismo e a
alimentar a corrupção. Tudo sob aparente inspiração saudável: reduzir as
desigualdades sociais. Ferreira Gullar observa: "Não resta dúvida de
que reduzir a miséria, melhorar as condições de vida dos mais
necessitados, está correto. O que está errado é valer-se politicamente de
suas carências para apoderar-se do governo, da máquina oficial, dos
recursos públicos e usá-los em benefício próprio, sem se importar com as
consequências que decorreriam disso". Quem poderia se opor à
constatação de que "É fácil assumir o governo e passar a dar comida,
casa e dinheiro a milhões de pessoas; dinheiro esse que devia ir para a
educação, para o saneamento, para resolver os problemas da infraestrutura,
ou seja, para dar melhores condições profissionais ao trabalhador e
possibilitar o crescimento econômico"?
O fenômeno é o mesmo em todas as áreas. O discurso dos
"direitos" é sedutor. Todos só têm direitos. Ninguém tem
obrigação. Profusa a malha dos direitos, ausente a preocupação com
deveres. E se houver problema, existe para isso o Judiciário. Por que se
preocupar em conversar, dialogar, entender o ponto de vista contrário, se
existem Tribunais abertos para resolver todo e qualquer problema?
Iludem-se as pessoas com a expectativa de que a Justiça venha a
prevalecer, sem alertá-las de que o modelo sofisticado de um processo
mais relevante do que a substância, de quatro instâncias intermináveis,
de mais de cinquenta oportunidades de reapreciação do mesmo tema tornam o
justo concreto uma aventura imprevisível. O neopopulismo também chegou à
Justiça. Onde vamos parar?
JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.
Visite o blog no endereço renatonalini.wordpress.com
e dê sua opinião sobre seus artigos.
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