Por: Carlos Roberto de
Miranda Gomes
Estou desconfiando que
já vivi demais, pois todos os livros de reminiscências que tenho lido nos
últimos tempos, me encontro na história ou na paisagem.
A coincidência mais
recente ocorreu com a pequena obra ‘Confraria de Floriano’, que recebi de
presente de um dos seus integrantes, o amigo e escritor Ormuz Barbalho
Simonetti.
O livro apresenta
registros emocionais e emocionados de alguns dos meninos protagonistas dos
acontecimentos marcantes dos anos 60 e 70, numa velha bodega na esquina das
Ruas Princesa Isabel e Apodi nº 160, de propriedade de Floriano (Jordão de
Andrade), de tradicional família macaibense, onde foi fundada a Confraria de
adolescentes, compartilhando com o Mercadinho de Pedro David, no outro lado da
rua.
As narrativas evocam os
anos dourados em Natal, um verdadeiro ‘tempo dos pardais no verde dos quintais’,
onde o medo se chamou ‘jamais’.
Não participei dessa
Confraria, mas de outra que se reunia na Rua Ceará Mirim, no Baldo, mas a
bodega era também eventual pouso de nossa turma quando se dirigia para a
diversão nos mesmos lugares rememorados dos cinemas Rex, Rio Grande e Nordeste,
com algumas incursões no Poti e certamente nos filmes de faroeste e seriados(Legião
do Zorro, O Homem Fioguete, Flaxh Gordon, Tarzan, Rock Lane, Roy Rogers, Gene
Autry, Cavaleiro Negro) dos cinemas São Luiz e São Pedro, estes no Alecrim,
tendo por transporte o velho ‘bonde’, de saudosa memória. Ainda tenho guardada
uma substancial coleção de revistas em quadrinhos daquele tempo, iniciada desde
1948 em Macaíba e adquiri praticamente todas as séries em cópias reproduzidas
em DVD,s.
Lembro-me bem que
comprávamos cigarros, que eram acesos em uma lamparina permanente acesa,
escondida em um pequeno caixote de madeira, com um orifício na parte superior e
lá éramos abastecidos com uma guaraná ou, às vezes, algo mais ‘substancioso’
para nossas folias.
Recordo dos polis
fabricados em casa, dos lanches no ‘Dia e Noite, Espaguetilândia, Caldo de Cana
Orós, dos porres de lança perfume, da cuba libre, da vodka com laranjada, do
cuscuz da Mata, naqueles taboleiros de metal com duas tampas e da correria dos
vendedores para atrair clientes, do verdureiro trazendo os seus produtos nos
ombros (caçoás), do pão vendido em cestos por Seu Pedro do pão, no lombo de
animais, a velha da carimã, pirulito, cocada, rolete de cana, cavaco
chinês(está de volta), dos velhos carnavais das ‘bagunças’ e dos bailes na
Assen, Aéro, América e ABC. Não conheci o ‘Coice de Mula’, mas lembro dos ‘Tora
da linha’.
As peladas tinham o
mesmo ardor, em quintais diferentes no Barro Vermelho ou na própria rua Ceará
Mirim, como igualmente a escolha das nossas musas.
Porém aquela vida
pacífica e alegre era comum, algumas vezes perigosa, nos banhos proibidos do
poço do dentão ou dos jogos nas lojas de bilhar da Ribeira, com portas fechadas
por conta do juizado de menores.
É claro que havia alguma
variação nas preferências, mas a atmosfera era a mesma. Até as alcunhas ou
apelidos se pareciam – Zezé, Cacá, Gordo, Magro, China, Bob, Xuba, Lula, Baiá,
Bel, Baíto, os Pelados, Dôta, Beto, Gasolina, Gás óleo, Chico. Tivemos as
nossas perdas pranteadas, mas nenhuma em decorrência das torturas de um regime
de força. Quando muito tivemos vizinhos que responderam processos nos idos de
1964, como Renê, Juarez, Romeiro.
Posso até ter notado
aquela molecada em suas reuniões, mas lhes dei atenção, pois já estava num
patamar de idade, pelo menos, em dez anos à frente, onde as diversões eram mais
variadas ‘e o buraco era mais embaixo’.
Recordar é viver, diz um
velho ditado; recordar é sofrer, as sombras do passado; de sonho que viveu em
nossos corações ou de um amor que morreu deixando uma cruel paixão. Crer num
sonho de ilusão, ver na imaginação ... Basta, a garganta já está embargada!
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