“NÃO TENHO
TEMPO, SENHOR”
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO(pe.medeiros@hotmail.com)
Michel
Quoist, sacerdote da diocese de Le Havre (França), autor de “Poemas
para Rezar”, publicado em 1954 e traduzido para a língua portuguesa por
Dom Lucas Moreira Neves, escreveu uma bela poesia que começa com esta frase: “Toda gente se queixa de não ter tempo
bastante”.
Algum livro que aborde a realidade
deste século, certamente, terá um capítulo especial sobre “a época dos homens sem tempo”. Afinal, esta justificativa é
constante para tantas coisas e acontecimentos. Antes, durante e depois das
refeições, os filhos não manifestam interesse em conversar com os pais (ou
vice-versa), sob tal alegação. Esporadicamente se comparece a reuniões, festas
de família etc. A resposta é sempre a mesma. Os deveres escolares e acadêmicos
não são entregues no prazo, com idêntica argumentação. Participa-se pouco de
batizados, enterros, missas e raramente visitam-se doentes e amigos. Alude-se à
falta de tempo. Durante conferências, palestras, reuniões e homilias, só alguns
se concentram para ouvir os palestrantes. A atenção volta-se para o tablet, o
i-phone, smarthphone etc. A tecnologia deixa-nos cada vez mais apressados e até
impacientes. E isso faz-nos lembrar Einstein: “Tenho medo do dia em que a tecnologia vai se sobrepor à interação
humana. O mundo terá uma geração de tolos”.
As pessoas
conversam, discutem, escutam cada vez menos, e cultivam pouco as amizades. “Mas, como não há lojas de amigos, os
homens não têm amigos". Eis a irônica
observação da raposa ao Pequeno Príncipe.
Chega-se à conclusão de que há algo de
errado no ser humano. Tal evidência se acentua, quando se verifica que tantos
se afastam de Deus, por um motivo irrelevante: não têm tempo! Não é raro ouvir:
gostaria de rezar, ler o Evangelho, ajudar os outros, porém, apresentam-se as
mesmas desculpas. Se o ser humano não dispõe sequer de alguns minutos para
cultuar seu Pai e Criador, alguma coisa não deve estar certa. Quem é o culpado
por essa situação deplorável?
Aquele que deu o tempo ao homem, algo
tão importante, não pode ser esquecido. Muitos afirmam: há tanto que fazer,
hoje em dia, que a vida passa rápido! Deus certamente dá oportunidade
suficiente a todos para realizarem o que desejam. Ele é justo, clemente e compassivo, declara o autor do Livro do
Êxodo (Ex 34, 6-7).
Tal problema tão antigo não terá como
causa o próprio homem? É importante abrir o Evangelho e ler o que Cristo tem a
dizer sobre isso: “Marta, Marta, tu te
preocupas e perdes tempo com muitas coisas. E, contudo, uma só é necessária”
(cf. Lc 10, 41). O que seria o essencial na vida, o único necessário? Deve,
sim, tratar-se de uma realidade que não seja efêmera e continue a existir mesmo
após a morte, pois esta é para cada um de nós o final do tempo terreno.
Convém lembrar ainda outra passagem do
Novo Testamento, em que um doutor da lei perguntou a Jesus o que era mais
importante (cf. Mt 22, 34ss e Mc 12, 28-32). A resposta do Mestre foi simples:
o amor ao Pai e aos irmãos. O resto, isto é, o que cada um vai fazer, pensar ou
dizer, será uma consequência de seu amor. E este exige doação,
consagração, abertura, diálogo, comunhão, perdão e tempo – grande dom de Deus
aos homens, gesto inefável de sua bondade e ternura. No entanto, mister se faz não esquecer que esse é um “presente perecível, que não se conserva”
– como afirma Quoist, quase no final de seu poema; ou como definiu de forma
filosófica e teológica Nicolau de Cusa –
“delicado como um cristal. Ele não volta, é o aceno de Deus, fugaz e
irreversível”.
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