quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O  O F í C I O   D E   E S C R E V E R
Gileno Guanabara

O ofício de escrever trata do mister de ler e garimpar palavras. Não apenas o sentido filológico das expressões, mas também a forma mais escorreita, a busca erudita de maior sentido e alcance, tendo em vista a quem se destina comunicar o objeto da manifestação. Não se trata de um ofício espécie exclusiva que só os ungidos dos deuses são capazes de exercê-lo. Sendo assim, há momentos de dúvidas, de correições, de trato sucessivo das palavras, a cada rabisco e leitura, que torna exigível o reparo, o detalhe quanto a forma e o conteúdo, enfim, torna-se imensurável o prazer de cambiar as palavras e vê-las mais exatamente compreensíveis. O fato de ler a imprensa, suas crônicas diárias e colunas, faz bem.
Não me reporto à forma absolutamente irrepreensível do mestre Machado de Assis em sua produção literária. Mais próximo de nós temos exemplos de lapsos de redação ou de revisão que subverteram o sentido da palavra ou de orações inteiras. Para o conforto de Graciliano Ramos, um dos melhores estetas da nossa língua, a palavra “estrambólico” se deveu a uma imperícia de revisão em um periódico. Na verdade, a intenção do articulista era a de referir-se a um fato extravagante, esquisito, incomum. No entanto, com a circulação da edição, a palavra reinou a partir de então. O que devia ser estrambótico passou doravante a ser aceito como estrambólico.
A crônica carioca também incorreu em imperícias que distorceram o flagrante, por mais factual se assemelhasse à verdade dos fatos. D. Pedro I, Imperador do Brasil, se dava o luxo de frequentar ambientes festivos, ainda que com as devidas cautelas e protocolos. Pairava sobre sua majestade a fama de conquistador e devorador de corações, sem o pejo de vulnerar sentimentos angelicais de anjos femininos feridos pelo ardor do cupido.
Na condição de simples mortal, D. Pedro também estava sujeito às intempéries da vida. Levou um tombo de uma égua, quando de um torneio esportivo, o que lhe causou uma luxação da perna. Forçado ficou a usar de um par de muletas, a fim de cumprir os compromissos sociais. Atendeu a um convite que tratava de uma festa no bairro da Lapa boêmia, no Rio de Janeiro. Durante o evento não dançou nem exercitou seus dotes cavalheirescos, haja vista a sua perna acidentada. Ao se retirar, tarde da noite, os “paparazzi” de então cercaram D. Pedro à busca de notícias do acidente. Foram dadas as explicações necessárias, enquanto o Imperador se ausentou conduzido em sua carruagem.
No dia seguinte, a principal manchete do jornal carioca dava conta da saída à francesa do Imperador: “Sua Majestade retirou-se furtivo do baile, amparado por um par de “mulatas”. Se bem que de fácil confusão, dada a fama do monarca, entretanto, o erro foi crucial haja vista que em vez de “muletas” a revisão deixou passar “mulatas”, o que se tornou motivo de uma crise política no Império.
Dias desses, escrevi a palavra “enfiteuta do universo” que reportei ao amigo Ticiano Duarte, dadas as suas hostes maçônicas e desde que é acanhado o meu conhecimento da matéria. A dúvida veio-me depois e quase se instalou uma angústia, para conferir o sentido daquela referência. Volvi ao mestre Aurélio e dissipei a dúvida: “enfiteuta pessoa titular da enfiteuse de um bem dominial”. Afora o sentido técnico, o uso da expressão foi deveras correto e apropriado.
Aproveito o ensejo dessa coluna para agradecer o apoio singular de Marcos Aurélio, da articulista de cultura, Anne Medeiros, do Jornal de Hoje, ao possibilitar a publicação das crônicas de que me valho como colaborador. Sob títulos e assuntos diversos, me exponho ao encontro dos amigos e leitores desse conceituado jornal, emitindo opiniões, fatos e personalidades que fizeram e fazem a vida nossa de cada dia mais feliz.
A publicação do livro “A Cidade do Natal e as historias do nunca” reuniu o Prefácio de João Batista Machado e a Apresentação de Ticiano Duarte, escudeiros das lutas democráticas recentes em nosso pais. De nossa parte distribuímos os convites que nos foi possível.
Na noite de sexta-feira congregaram-se gerações de personagens que venceram os dissabores da escuridão política de 1964. Fizeram-se presentes políticos de gerações mais recentes, representantes daqueles que já não se encontram entre nós, parentes e simpatizantes da cidade, todos para saber quais as “histórias do nunca” que temos guardadas dentro de nós. Uma felicidade geral de reencontro. Wilma, Garibaldi, Roberto Furtado, Ney, Valério Mesquita, Hermano, Carlos Eduardo, Aldo Tinoco, Ticiano, Machadinho, Salésia, Cecy Dieb, Campelo, Carlos Furtado, Josemá, George Câmara, Luis Lopes, Rubélio, Ivaldo, Neemias, Gilvan, me desculpem os demais que se fizeram presentes.
A Cidade do Natal carece ver inscritas as suas histórias e seus atores. Sejam histórias do nunca, sejam histórias outras que estão à espera de serem contadas. Cumpri a minha parte. A todos que atenderam ao convite os recepcionei juntamente com os meus familiares. À Cidade do Natal que trago e conheço repilo a conjura dita por Mário de Andrade: “Nesta Rua Lopes Chaves/Envelheço e envergonhado/Não sei quem foi Lopes Chaves.” Meus agradecimentos a todos os que me apoiaram nesse conluio. Que assim seja.




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