domingo, 9 de junho de 2013


  • Geni e a Lei de Responsabilidade Fiscal

    Luciano Ramos - Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do RN; Mestre em Direito do Estado



    “Ela é um poço de bondade
    E é por isso que a cidade
    Vive sempre a repetir: ‘Joga pedra na Geni! 
    Joga pedra na Geni! 
    Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! 
    Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni!’ 
    (Geni e o Zepelim, Chico Buarque)

              As pessoas e as criações humanas nem sempre são reconhecidas por seus valores intrínsecos, sobretudo se não se prestarem a pompas e circunstâncias, mas a algumas tarefas tão nobres quanto invisíveis aos olhos daqueles que não querem ver. Ou ainda que vejam, preferem adiar a visão o quanto podem, para só enxergar quando se tornar inevitável e só restar a remediação.

              Há 13 anos, a LRF (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000) cumpre um papel fundamental não apenas na higidez das contas públicas, mas também como âncora de sustentação de toda a economia, cuja perspectiva de desenvolvimento só é possível com a contenção do endividamento público, haja vista quantos recursos são retirados da economia na forma de carga tributária para alimentar a máquina administrativa.

              Mas nossa Geni tem uma árdua tarefa de frear a opulência, os gastos desmedidos, chamando à realidade aqueles que insistem em sonhar com os pés descolados do chão. Aí, torna-se mais fácil apedrejá-la do que adequar condutas às duras necessidades que ela tão somente comunica, tal qual o paciente insano que quebra o termômetro por ter-lhe revelado a febre que deveras possui. 

              Com sua singeleza mundana, a LRF traduz em obrigações jurídicas o que lhe impõe uma condução exitosa de qualquer economia, não mais do que isto, pois a imperiosidade do controle de gastos, ajustando-os às receitas, é uma constante econômica, não uma criação normativa. Não há crescimento econômico duradouro sem um mínimo de controle do gasto estatal, sobretudo em nosso país em que o Poder Público é o principal agente econômico, triplamente destacado como interventor, indutor e consumidor de produtos e serviços.

              Também não damos o devido valor à responsabilidade fiscal porque esquecemos as dificuldades enfrentadas antes da sua existência, em que atrasos de salários do funcionalismo público eram comuns, com múltiplos empréstimos para honrá-los - o que aconteceu em dezembro de 2010 no Rio Grande do Norte pode ser um ponto fora da curva, em uma visão otimista, ou a vanguarda dos efeitos do apedrejamento à LRF. Também não nos recordamos que antes da lei as constantes idas do Poder Público aos bancos para pegar empréstimo ou lançar títulos da dívida impediam que os juros caíssem – a melhora existe, ainda que não tão grande assim, pois saímos do patamar de economia com maior juros real do mundo para o 5º maior.

              A importância invisível da LRF salta aos olhos quando constatamos quais seriam as consequências da sua inexistência, como pudemos observar de camarote em relação à economia da Grécia. Conforme apontam estudos recentes, acaso tivesse o berço da democracia uma lei de responsabilidade fiscal que contivesse gastos como os pertinentes às Olimpíadas de Atenas 2004, a economia grega não teria virado geléia e menor seria a crise.

              Mas os nossos problemas são outros, pois temos nossa LRF, mas ela parece ter sido feita para bater e boa de descumprir, cujo drible oportuno aos olhos de alguns proporciona aumentos imediatos, construção de estádios bilionários para celebrarmos Copa e Olimpíadas, e coisas que tais. Como e em quantos anos pagaremos as contas? Vê-se depois. Primeiro o “progresso”, depois gerimos a escassez, independentemente da cautela que impõem certas medidas cujos efeitos são sentidos a longo prazo

              E assim, lendo enviesados alguns artigos da LRF, seguimos entortando a prudência, renunciando graciosamente receitas, aumentando despesas, até o momento em que os credores do Poder Público queiram buscar a efetiva origem do cancelamento de empenhos, e a rolagem de dívidas públicas não mais seja uma opção factível. E se este dia chegar, esperemos que a LRF ainda tenha forças para afastar este zepelim criado por nós mesmos, e que nos últimos anos resolveu sobrevoar nossa capital Potiguar e o Rio Grande do Norte.

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