NATAL QUE
NÃO CONHECI Gileno Guanabara.
Natal sempre foi pródiga em atividades
lítero-recreativas. Pontificavam intelectuais, jornalistas, profissionais
liberais e proliferava a boemia. Citam-se as figuras de Eloy de Souza, Lourival
Açucena, Sandoval Wanderley, Ponciano Barbosa, Israel Botelho, Josué Silva, Ivo
Filho, Antônio Emerenciano, Ulisses Seabra de Melo, dentre outras. Dizia-se que
Gotardo Neto e Ferreira Itajubá eram boêmios insaciáveis. Alguns participavam da
“Oficina Literária Norte-Riograndense”.
João Estevam, tipógrafo e proprietário da
Gráfica Santa Theresinha, na Rua Vaz Gondim, publicava, no mês de junho, “Milho
Verde”, anuário com artigos, poesia e registros. “Seu Estevinho” foi um dos fundadores
do clube “Os jandaias”, de que foi Secretário Perpetuo, e Presidente de Honra,
Emídio Fagundes. Participavam do Clube Josué, Bulhões, Evaristo de Souza, Cascudo,
Waldemar de Almeida. As mulheres integrantes tinham os nomes preservados, para
não serem “faladas”. O lema respeitabilíssimo da entidade era
“Ver...Ouvir...Calar”. Qualquer manifestação, só com a aprovação da maioria dos
sócios. Segredo maçônico.
A cidade se resumia a dois bairros, que
se rivalizavam: a “Cidade Baixa” e a “Cidade Alta”. Alecrim, Rocas, Tirol,
Petrópolis e Lagoa Seca, se resumiam a sítios. O transporte público através do bonde
efetivou a integração dos novos bairros. As praias somente eram frequentadas
aos domingos e as pessoas se banhavam por recomendação médica. O engenheiro
Giácomo Palumbo elaborou o plano de urbanização de Petrópolis, por encomenda do
Prefeito Omar O’Grady. Segundo o traçado, as ruas seriam dispostas na direção
Norte/Sul, com vistas ao Oceano Atlântico, e na direção Leste/Oeste, no rumo do
Rio Potengi.
As ruas mais movimentadas eram a “Rua
do Fogo”, atual Rua Padre Pinto, onde ocorriam festas de aniversário e se davam
os encontros de jovens enfatiotados. Aos domingos, cavaleiros garbosos desfilavam
suas montarias e lá ocorriam bailes e serenatas. Movimento intenso também ocorria
nas festas da “Rua da Palha” (atual Rua Vigário Bartolomeu), no ”Beco Novo”,
(também chamada “Rua da Bica”, atual Rua Voluntários da Pátria); e na ”Rua dos
Tocos” (atual Rua Princesa Izabel, e antes
Rua “13 de Maio”). A ampla ”Rua Nova” (atual Avenida Rio Branco), de vastas mungubeiras,
não tinha calçamento, nem mosaicos nas calçadas.
Destacavam-se os cancioneiros
populares, os instrumentistas e suas modinhas. Os saraus, em residências como a
de Loiola Barata, varavam noite afora. João Neponuceno e Antônio Elias eram os
organizadores. Declamavam e poetavam.
Petit na flauta, Joaquim Galhardo (trombone e saxofone); José Bibiano
(clarinete); Heronides França e Francisco Soter (violão). Nas festas religiosas,
apresentavam-se o fandango e a Lapinha. Reuniões costumeiras, à tardinha, se
davam defronte a casa do Cel. Joaquim Guilherme, na atual Praça Padre João
Maria, chamado de “Centrão”. Lá se bisbilhotava a vida da cidade. O “Grande
Ponto” ainda não existia.
Durante o carnaval de rua, a “Rua da
Palha” recebia ornamentação de palha de coqueiro, em forma de arcos e
girândolas. Desfilavam o bloco “Maxixeira”, que saia pela manhã; o
“Vassourinhas”; o “Vasculhadores” e “Os Amantes da Pinga”. O clube mais
requisitado era o “Clube Noturno”.
A agitação mais intensa ocorria no
“Passo da Pátria”, à margem do Rio Potengi, onde se dava, aos sábados, a “feira
do grude”, assim denominada em decorrência da parada do trem vindo de Extremoz,
com abastecimento de grude de mandioca, legumes, verduras e frutas, no local. O
encontro das famílias fomentava o namorico entre elas. O trem trazia o rebanho
de gado que da estação ferroviária se dirigia à “Rua da Salgadeira” (atual “Rua
da Misericórdia”), local do matadouro que abastecia de carne a cidade.
O abastecimento de água era obtido no
Riacho do Baldo, através dos burros e das barricas. Nas águas correntes do
riacho as famílias se banhavam nas domingueiras. A cidade não dispunha de luz
elétrica. A “Rua Nova” (Avenida Rio Branco) foi o primeiro logradouro a ter o
sistema de iluminação pública, através de postes de lampião a base de
querosene.
No dia 3 de maio, ocorria a festa
religiosa, em comemoração à “Santa Cruz da Bica”, atual praça com o mesmo nome,
na confluência da “Rua do Fogo” e o “Beco Novo”, marco Sul da cidade, margem direita
do Riacho do Baldo. Segundo a tradição, a descoberta da cruz, ainda hoje
preservada, coube a Claudino José de Melo ao escavar a terra, a fim de
construir uma casa. Do lado Norte, existe a cruz xantada perante a Igreja dos
Negros do Rosário. São os limites da “Cidade Alta”.
Das festas juninas, o xerém do milho plantado
nos quintais. Serviam de amabilidades a cangica e a pamonha cozidas na própria
palha, em panelas de barro. Foram-se reduzindo os quintais. Não se cultivaram
mais as fruteiras, os legumes, as pimenteiras, os cheiros e os coqueiros. Não
se plantou mais a romãzeira.
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