domingo, 26 de maio de 2013


ENCONTRO COM A POESIA  -   INTERLÚDIO (I)

                                                           (Por Horácio Paiva)

 TRÊS SONETOS RENASCENTISTAS FRANCESES
            Na sequência das citações e arquivos apresentados, notadamente sobre o neoclássico Camões e o clássico latino Horácio (e a sua filosofia do carpe diem e do vivere in aurea mediocritate), trago estes três belos e sugestivos sonetos (um deles, o de Ronsard, célebre, muito reproduzido e comentado ao longo dos anos) de expoentes do renascimento literário francês, em magnífica tradução de Guilherme de Almeida, casando-os com os textos já mencionados:


PIERRE DE RONSARD (1524-1585)

            SONETO A HELENA

Quando fores bem velha, à noite, à luz da vela,
Junto ao fogo do lar, dobando o fio e fiando,
Dirás, ao recitar meus versos e pasmando:
Ronsard me celebrou no tempo em que fui bela.

E entre as servas então não há de haver aquela
Que, já sob o labor do dia dormitando,
Se o meu nome escutar não vá logo acordando
E abençoando o esplendor que o teu nome revela.

Sob a terra eu irei, fantasma silencioso,
Entre as sombras sem fim procurando repouso:
E em tua casa irás, velhinha combalida,

Chorando o meu amor e o teu cruel desdém.
Vive sem esperar pelo dia que vem;
Colhe hoje, desde já, colhe as rosas da vida.

Aldeias históricas
Local: Castelo Mendo
Foto: Francisco Almeida Dias
JOACHIM DU BELLAY (1522-1560)

            SONETO

Ditoso o que empreendeu de Ulisses a jornada,
Ou como esse outro que conquistou o tosão
E que após retornou, com mais tino e razão,
A viver entre os seus a vida descuidada.

Quando é que hei de rever de minha aldeia amada
O fumo dos casais; do tempo em qual sazão
Hei de a sebe rever da mui pobre mansão
Que uma província me é, a que igual não há nada?

Mais me apraz o meu lar avoengo, venturoso,
Que de romano paço o frontão audacioso;
Mais que o mármore duro apraz-me a ardósia fina,

O meu Loire gaulês, mais que o Tibre latino,
Mais meu pobre Liré que o monte Palatino,
Mais que a brisa marinha a doçura angevina.




CHRISTOPHE PLANTIN (1520-1589)
         
A FELICIDADE DESTE MUNDO

Ter uma casa boa, limpa e bem curada,
Um variado jardim de canteiros cheirosos,
Frutos, bom vinho, filhos pouco numerosos,
Possuir só, sem alarde, uma esposa afeiçoada;

Não ter contas, amor, questões, demandas, nada
De partilha a fazer com parentes cuidosos,
Com pouco se fartar, descrer dos poderosos,
Seus desejos regrar por pauta moderada;

Viver tendo franqueza e não tendo ambição,
Entregar-se sem pejo à sua devoção,
Domar suas paixões, contê-las com acerto,

Conservar a alma livre e o julgamento forte,
Rezar o seu rosário enquanto medra o enxerto,
É esperar docemente em sua casa a morte.

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  NOTA:

            Não poderia deixar de registrar a presença, neste sarau  -  embora passados mais de trezentos anos dos titulares franceses convocados  -  de William Butler Yeats,  grande poeta irlandês moderno, a perpetuar o tema (ampliando sua perspectiva, dando-lhe conotação mística), no seguinte poema traduzido pelo nosso Péricles Eugênio da Silva Ramos:


WILLIAM BUTLER YEATS (1865-1939)

            QUANDO FORES VELHA

Quando já fores velha, e grisalha, e com sono,
Pega este livro: junto ao fogo, a cabecear,
Lê com calma; e com os olhos de profundas sombras
Sonha, sonha com o teu antigo e suave olhar.

Muitos amaram-te horas de alegria e graça,
Com amor sincero ou falso amaram-te a beleza;
Só um, amando-te a alma peregrina em ti,
De teu rosto a mudar amou cada tristeza.

E curvando-te junto à grade incandescente,
Murmura com amargura como o amor fugiu
E caminhou montanha acima, a subir sempre,
E o rosto em multidão de estrelas encobriu.



                       

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