domingo, 23 de dezembro de 2012


DOMINGO CULTURAL

GENIALIDADE E PAIXÃO
Ciro José Tavares

A avassaladora paixão e a genialidade permitiram ao poeta escrever um dos mais belos textos da poesia mundial São sublimes e emocionantes os versos, nascidos numa diligência, na viagem entre karlsbad e Eger. Na cabine, além do poeta, seu secretário e seu servo. Apenas o barulho das rodas quebra o silêncio daquele espaço exíguo. O lápis trabalha anotando no papel as reflexões até chegar ao destino final. Refiro-me ao conselheiro secreto do grão-duque da Saxônia ~Weimar, o orgulho do idioma tudesco na literatura, Johann Wolfgang Von Goethe.
Sua ELEGIA DE MARIENBAD, escrita em 1823, ainda hoje ressoa no universo poético e é leitura indispensável aos que apreciam a arte literária. Para compreendê-la na sua enorme dimensão necessário conhecer as razões que o levaram confessar o amor, acontecido, aos 74 anos, por Ulrike Von Levetzov, de 19 anos. Mas é no poema Tasso que Goethe declara o motivo fundamental da criação: “E quando o homem se cala em seu tormento Deus me inspirou a dizer o que estou sofrendo”.
Ao concluir a Elegia ele próprio considerou o mais significativo, o mais íntimo e pessoal e por isso também o poema preferido na sua velhice. É realmente sublime a forma como Goethe cuidou do poema, como nos relata Stefan Zweig; “Chegando a Weimar, antes de atender a qualquer outro assunto, ocupou-se em fazer, de próprio punho, uma cópia dessa artística elegia. Durante três dias, copiou-a num papel bem escolhido, em grandes e solenes caracteres, como um monge na sua cela, escondendo-a até mesmo dos mais íntimos, dos que gozavam da sua inteira confiança, como se fosse um precioso segredo. Ele próprio fez a encadernação para que nenhuma pessoa indiscreta divulgasse prematuramente a poesia. Amarrou o manuscrito com um cordão de seda e guardou-o numa capa de marroquim vermelho, que mais tarde substituiu por uma maravilhosa encadernação de tela azul, que ainda hoje pode ser vista no arquivo de Goethe e de Schiller”.
A paixão do poeta explode sobre quem não podia, mas como explicar as razões do coração? As teias e encruzilhadas que a vida arma surpreendendo o artista? O episódio amoroso de Goethe não é um caso isolado na história da literatura. Vida Nova, de Dante Alighieri, belo e profundo texto de confidência lírica, foi escrito em louvor de Bbeatrice Portinari. Também os poemas para Jane Williams, The Magic Circle, de Percy Bisshe Shelley, escritos no inverno e primavera de 1822, em Lerici, litoral italiano, classificados entre os melhores da língua inglesa, resultam da paixão irrevelada pela amiga e esposa do capitão Williams, companheiro no naufrágio do barco Ariel, no Golfo de Spezia, onde ambos faleceram.
O certo é que a elevada sensibilidade dessas figuras excepcionais explode sem mandar aviso e muitas vezes, além da realidade, chega a permear terreno legendário, dando origem aos mitos, como Lancelot Du Lac e Guenevere, Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Don Quixote e Dulcinéia.
Goethe sem levar em conta a diferença da idade, entusiasmado como um adolescente arrisca-se a pedir em casamento a jovem e bela polonesa e o faz por intermédio do Grão-duque. A senhora Levetzov, mãe de Ulrike parece ter pedido tempo para refletir. Afinal ela conhece bem o poeta. Há 15 anos fora Por ele amada e venerada, num tempo em que paternalmente brincara com sua filhinha, segurando-a no colo. O longo silêncio, presumindo a negativa, o escárnio dos seus familiares por esses desejos matrimoniais, levam-no a viver dias monótonos e deprimentes. Refeito do golpe, decide apresentar o poema que tem significado especial na sua vida. Convida Johann Peter Eckermann e alguns íntimos para a abertura do santuário e ouvir a leitura. Depois se segue um período difícil para sua saúde quando ninguém se ocupa do velho doente e abandonado. E o que parecia ser o princípio do fim, acaba sendo uma gloriosa vitória. O amigo e compositor Carl Friedrich Zelter vem de Berlim parara visitá-lo e tomado de compaixão permanece na sua companhia para curá-lo. O remédio é a leitura repetida e incansável de textos poéticos. Ao compreender que o sonho de uma vida conjugal com aquela menina terminara, Goethe mergulha no trabalho para reunir sua obra literária, então dispersa e desarticulada. É quando retoma o Fausto, concluído sete anos depois desses acontecimentos.

                 ELEGIA DE MARIENBAD
                   Johann Wolfgang Von Goethe
           
            Que ora devo esperar de algum rever,
            Da flor ainda fechada deste dia?
            Com Paraíso e Inferno a te envolver,
            Na indecisão tua alma se angustia! –
            Adeus ó dúvidas!  No umbral dos Céus
            Ela te leva a alçar nos braços seus.
            No paraíso então foste escolhido,
            Como se jus fazendo à vida eterna;
            Finda a esperança, e o desejo contido,
            Cá estava pois a meta mais interna,
            E ao contemplar da singular beleza
            Secava a fonte ansiosa da tristeza.
            Quão ligeiro o bater de asas do dia,
            Parecendo minutos a empurrar!
            Fiel selar da noite, um beijo iria
            No sol vindouro assim querer ficar.
            As horas transcorriam tão  normais
            E meigas como irmãs, mas nunca iguais.
            Esse beijo final, cruel doçura,
            Uma trama de afetos desfazia.
            O andar se esquiva da soleira escura,
            Onde um anjo flamante o repelia.
            O olhar se volta, percorrendo a estrada,
            Porém frustrou-se: a porta está fechada.
            Teu próprio coração se fecha então,
            Qual nunca aberto houvesse estado à hora
            Bendita junto dela, qual se não
            Competisse em fulgor com o céu outrora.
            E a atmosfera se enche de aflição,
            Desânimo, remorso, repreensão.
Não te resta ainda o mundo? Tais rochedos
Coroados não estão de sombras santas?
Não maduram as safras? Com arvoredos
Entre prados e o rio não te encantas?
Formas não vêm e vão perenemente
No arquear da grandeza transcendente?
No azul celeste, como um serafim
Que a lembra na esbeltez, uma figura
Paira mimosa e vaporosa e assim
Das nuvens sai, ganhando mais altura:
Ei-la a reinar em dança prazenteira,
Das imagens amadas a primeira.          
Que não ouses porém mais de um segundo
A aérea estampa em seu lugar reter;
Torna ao teu coração! Lá, nesse mundo
Das formas em mudança, a podes ver:
Lá em muitas é constituída,
Mil vezes outra e sempre mais querida.
Como por mim à porta ela aguardava
E felizardo aos poucos me fazia,
Após o último beijo me alcançava
E ainda mais um nos lábios imprimia,
Assim, movente e clara, a efígie amada
No coração a fogo está gravada.
No coração que, qual muralha estável,
Já por lhe dar guarida se sustenta,
Que se alegra por ela ser durável
E só sabe de si se a representa,
Que mais livre se sente ao ser contido
Bate mais, por tudo agradecido.
Como o poder de amar se torna extinto,
A carência de amor também sumiu.
Mas pronto a decidir e agir me sinto,
Uma nova esperança me sacudiu!
Amor se inspira sempre aos amorosos,
Deu-me um fervor dos mais deliciosos;
E o fez através dela! – Inquietudes
Maçantes me oprimiam corpo e mente:
Circundavam-me o olhar as cenas rudes
De um coração deserto e descontente;
Mas agora a esperança a porta invade,
Quando ela mesma assoma à claridade.
À paz de Deus, que – lemos – cá na terra
Vos torna mais do que a razão felizes,
Comparo eu a paz do Amor que encerra
Na presença da amada o fim das crises.
A alma se aquieta então e não há freio
À sensação de pertencer-lhe em cheio.
Em nosso peito brota a inspiração
De mais alto e mais puro e ignorado
Dar-se espontâneo, só por gratidão,
A decifrar o eterno Inominado.
Em face dela, assim piedoso, vi-me
Participar de altura tão sublime.
A um seu olhar, como ao vigor solar,
E a um sopro seu, como aos da primavera,
Derrete-se o egoísmo a degelar
Toda a crosta invernal em que estivera;
Finda o interesse, acaba a teimosia,
Quando ela chega os põe em letargia.
É como se dissesse:”De hora em hora
A vida se oferece amigamente.
Do passado o registro é incerto agora,
Do amanhã é vedado estar ciente.
E com a noite eu já me amedrontei,
Com o por- do – sol, que brilha, me alegrei
Faça, pois como eu:.sensato e rindo,
Olhe bem o momento! Sem tardança!
Com simpatia o tome por bem – vindo,
Quer em hora de ação, quer em festança.
Ponha-se inteiro e puro onde estiver,
Para tudo e invencível você ser”.
Bem dito isso, achei: se um deus lhe deu
Do momento essa graça tão presente,
Quem acaso ao amável lado seu
Um eleito da sorte não se sente?
Mas eu, mandado embora, o que faria,
Já sem você, de tal sabedoria?
Ora, estou muito longe! E o que convém
Ao minuto atual não sei dizer;
O bom o belo dele me advêm
São apenas um fardo a rebater.
Ante a bruta saudade me impelindo,
Só me resta um remédio, o choro infindo.
Choro que jorra e flui, mas não tem jeito
De em meu íntimo s flama arrefecer!
Que violento me invade e rasga o peito
Onde a morte e o amor vêm combater.
Se a dor do corpo uma erva faz sumir,
Falha a mente em querer em decidir,
Em aceitar a ideia de a não ter.
Mil vezes vê-se a repetir-lhe a imagem
Que ou se afasta ou não para de tremer,
Ora radiante, ora indistinta aragem.
Como dessa maré, desse ir e vir,
Um consolo qualquer ainda extrair?
Amigos fiéis deixai-me aqui a sós,
Em meio às fragas, entre musgo e lodo!
Tomai um rumo! O mundo se abre a vós,
A terra é vasta, o céu,sublime todo;
Sondai, juntai as partes com critério,
Sempre a estudar o natural mistério.
Perdendo o todo, eu mesmo, que era outrora
Favorito dos deuses, me perdi.
A me provar mandaram-me Pandora,
Que mais riscos que bens trazia em si;
À boca dadivosa eles me alçaram
E, ao separar-me dela, me arrasaram.


POEMA DE FERNANDO PESSOA 
Dá este coração a todos que não queres perder em 2013

Tenta conseguir 12.  Não é fácil. 

Nunca desvalorizes ninguém...

Guarda cada pessoa perto do teu coração...
Porque um dia podes acordar...
E perceber que perdeste um diamante....
Enquanto estavas muito ocupado(a) coleccionando pedras.
 
E, por falar em pedras...
...lembrei-me agora daquele poema lindíssimo de Fernando Pessoa que não resisto a enviar novamente (e devia ser lido todos os dias... e em voz alta, para o "ouvirmos" melhor!):
 
Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...

(Fernando Pessoa)
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Colaboração da leitora/amiga Joventina Simões













           



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