DOMINGO CULTURAL
GENIALIDADE E PAIXÃO
Ciro
José Tavares
A
avassaladora paixão e a genialidade permitiram ao poeta escrever um dos mais
belos textos da poesia mundial São sublimes e emocionantes os versos, nascidos
numa diligência, na viagem entre karlsbad e Eger. Na cabine, além do poeta, seu
secretário e seu servo. Apenas o barulho das rodas quebra o silêncio daquele
espaço exíguo. O lápis trabalha anotando no papel as reflexões até chegar ao
destino final. Refiro-me ao conselheiro secreto do grão-duque da Saxônia ~Weimar,
o orgulho do idioma tudesco na literatura, Johann
Wolfgang Von Goethe.
Sua ELEGIA DE MARIENBAD, escrita em 1823,
ainda hoje ressoa no universo poético e é leitura indispensável aos que apreciam
a arte literária. Para compreendê-la na sua enorme dimensão necessário conhecer
as razões que o levaram confessar o amor, acontecido, aos 74 anos, por Ulrike
Von Levetzov, de 19 anos. Mas é no poema Tasso que Goethe declara o motivo
fundamental da criação: “E quando o
homem se cala em seu tormento Deus me inspirou a dizer o que estou sofrendo”.
Ao concluir a Elegia ele próprio considerou o
mais significativo, o mais íntimo e pessoal e por isso também o poema preferido
na sua velhice. É realmente sublime a forma como Goethe cuidou do poema, como
nos relata Stefan Zweig; “Chegando a Weimar, antes de atender a qualquer outro
assunto, ocupou-se em fazer, de próprio punho, uma cópia dessa artística
elegia. Durante três dias, copiou-a num papel bem escolhido, em grandes e
solenes caracteres, como um monge na sua cela, escondendo-a até mesmo dos mais
íntimos, dos que gozavam da sua inteira confiança, como se fosse um precioso
segredo. Ele próprio fez a encadernação para que nenhuma pessoa indiscreta
divulgasse prematuramente a poesia. Amarrou o manuscrito com um cordão de seda
e guardou-o numa capa de marroquim vermelho, que mais tarde substituiu por uma
maravilhosa encadernação de tela azul, que ainda hoje pode ser vista no arquivo
de Goethe e de Schiller”.
A paixão do poeta explode sobre quem não podia,
mas como explicar as razões do coração? As teias e encruzilhadas que a vida
arma surpreendendo o artista? O episódio amoroso de Goethe não é um caso isolado
na história da literatura. Vida Nova, de Dante Alighieri, belo e profundo texto
de confidência lírica, foi escrito em louvor de Bbeatrice Portinari. Também os
poemas para Jane Williams, The Magic Circle, de Percy Bisshe Shelley, escritos
no inverno e primavera de 1822, em Lerici, litoral italiano, classificados
entre os melhores da língua inglesa, resultam da paixão irrevelada pela amiga e
esposa do capitão Williams, companheiro no naufrágio do barco Ariel, no Golfo
de Spezia, onde ambos faleceram.
O certo é que a elevada sensibilidade dessas
figuras excepcionais explode sem mandar aviso e muitas vezes, além da realidade,
chega a permear terreno legendário, dando origem aos mitos, como Lancelot Du
Lac e Guenevere, Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Don Quixote e Dulcinéia.
Goethe sem levar em conta a diferença da idade,
entusiasmado como um adolescente arrisca-se a pedir em casamento a jovem e bela
polonesa e o faz por intermédio do Grão-duque. A senhora Levetzov, mãe de
Ulrike parece ter pedido tempo para refletir. Afinal ela conhece bem o poeta.
Há 15 anos fora Por ele amada e venerada, num tempo em que paternalmente
brincara com sua filhinha, segurando-a no colo. O longo silêncio, presumindo a
negativa, o escárnio dos seus familiares por esses desejos matrimoniais, levam-no
a viver dias monótonos e deprimentes. Refeito do golpe, decide apresentar o
poema que tem significado especial na sua vida. Convida Johann Peter
Eckermann e alguns íntimos para a abertura do santuário e ouvir a leitura. Depois
se segue um período difícil para sua saúde quando ninguém se ocupa do velho
doente e abandonado. E o que parecia ser o princípio do fim, acaba sendo uma
gloriosa vitória. O amigo e compositor Carl Friedrich Zelter vem de Berlim
parara visitá-lo e tomado de compaixão permanece na sua companhia para curá-lo.
O remédio é a leitura repetida e incansável de textos poéticos. Ao compreender
que o sonho de uma vida conjugal com aquela menina terminara, Goethe mergulha no
trabalho para reunir sua obra literária, então dispersa e desarticulada. É
quando retoma o Fausto, concluído sete anos depois desses acontecimentos.
ELEGIA DE MARIENBAD
Johann
Wolfgang Von Goethe
Que ora devo esperar de
algum rever,
Da flor
ainda fechada deste dia?
Com
Paraíso e Inferno a te envolver,
Na
indecisão tua alma se angustia! –
Adeus ó
dúvidas! No umbral dos Céus
Ela te
leva a alçar nos braços seus.
No
paraíso então foste escolhido,
Como se
jus fazendo à vida eterna;
Finda a
esperança, e o desejo contido,
Cá
estava pois a meta mais interna,
E ao
contemplar da singular beleza
Secava a
fonte ansiosa da tristeza.
Quão
ligeiro o bater de asas do dia,
Parecendo
minutos a empurrar!
Fiel
selar da noite, um beijo iria
No sol
vindouro assim querer ficar.
As horas
transcorriam tão normais
E meigas
como irmãs, mas nunca iguais.
Esse
beijo final, cruel doçura,
Uma
trama de afetos desfazia.
O andar
se esquiva da soleira escura,
Onde um
anjo flamante o repelia.
O olhar
se volta, percorrendo a estrada,
Porém
frustrou-se: a porta está fechada.
Teu
próprio coração se fecha então,
Qual
nunca aberto houvesse estado à hora
Bendita
junto dela, qual se não
Competisse
em fulgor com o céu outrora.
E a
atmosfera se enche de aflição,
Desânimo,
remorso, repreensão.
Não te resta ainda o mundo?
Tais rochedos
Coroados não estão de
sombras santas?
Não maduram as safras? Com
arvoredos
Entre prados e o rio não te
encantas?
Formas não vêm e vão
perenemente
No arquear da grandeza
transcendente?
No azul celeste, como um
serafim
Que a lembra na esbeltez,
uma figura
Paira mimosa e vaporosa e
assim
Das nuvens sai, ganhando mais
altura:
Ei-la a reinar em dança
prazenteira,
Das imagens amadas a
primeira.
Que não ouses porém mais de
um segundo
A aérea estampa em seu lugar
reter;
Torna ao teu coração! Lá,
nesse mundo
Das formas em mudança, a
podes ver:
Lá em muitas é constituída,
Mil vezes outra e sempre
mais querida.
Como por mim à porta ela
aguardava
E felizardo aos poucos me
fazia,
Após o último beijo me
alcançava
E ainda mais um nos lábios
imprimia,
Assim, movente e clara, a efígie
amada
No coração a fogo está
gravada.
No coração que, qual muralha
estável,
Já por lhe dar guarida se
sustenta,
Que se alegra por ela ser
durável
E só sabe de si se a
representa,
Que mais livre se sente ao
ser contido
Bate mais, por tudo
agradecido.
Como o poder de amar se
torna extinto,
A carência de amor também
sumiu.
Mas pronto a decidir e agir
me sinto,
Uma nova esperança me
sacudiu!
Amor se inspira sempre aos
amorosos,
Deu-me um fervor dos mais
deliciosos;
E o fez através dela! –
Inquietudes
Maçantes me oprimiam corpo e
mente:
Circundavam-me o olhar as
cenas rudes
De um coração deserto e
descontente;
Mas agora a esperança a
porta invade,
Quando ela mesma assoma à
claridade.
À paz de Deus, que – lemos –
cá na terra
Vos torna mais do que a
razão felizes,
Comparo eu a paz do Amor que
encerra
Na presença da amada o fim
das crises.
A alma se aquieta então e
não há freio
À sensação de pertencer-lhe
em cheio.
Em nosso peito brota a
inspiração
De mais alto e mais puro e
ignorado
Dar-se espontâneo, só por gratidão,
A decifrar o eterno
Inominado.
Em face dela, assim piedoso,
vi-me
Participar de altura tão
sublime.
A um seu olhar, como ao
vigor solar,
E a um sopro seu, como aos
da primavera,
Derrete-se o egoísmo a
degelar
Toda a crosta invernal em
que estivera;
Finda o interesse, acaba a
teimosia,
Quando ela chega os põe em
letargia.
É como se dissesse:”De hora
em hora
A vida se oferece
amigamente.
Do passado o registro é
incerto agora,
Do amanhã é vedado estar
ciente.
E com a noite eu já me
amedrontei,
Com o por- do – sol, que
brilha, me alegrei
Faça, pois como eu:.sensato
e rindo,
Olhe bem o momento! Sem
tardança!
Com simpatia o tome por bem
– vindo,
Quer em hora de ação, quer
em festança.
Ponha-se inteiro e puro onde
estiver,
Para tudo e invencível você
ser”.
Bem dito isso, achei: se um
deus lhe deu
Do momento essa graça tão
presente,
Quem acaso ao amável lado
seu
Um eleito da sorte não se
sente?
Mas eu, mandado embora, o
que faria,
Já sem você, de tal
sabedoria?
Ora, estou muito longe! E o
que convém
Ao minuto atual não sei
dizer;
O bom o belo dele me advêm
São apenas um fardo a
rebater.
Ante a bruta saudade me
impelindo,
Só me resta um remédio, o
choro infindo.
Choro que jorra e flui, mas
não tem jeito
De em meu íntimo s flama
arrefecer!
Que violento me invade e
rasga o peito
Onde a morte e o amor vêm
combater.
Se a dor do corpo uma erva
faz sumir,
Falha a mente em querer em
decidir,
Em aceitar a ideia de a não
ter.
Mil vezes vê-se a
repetir-lhe a imagem
Que ou se afasta ou não para
de tremer,
Ora radiante, ora indistinta
aragem.
Como dessa maré, desse ir e
vir,
Um consolo qualquer ainda
extrair?
Amigos fiéis deixai-me aqui
a sós,
Em meio às fragas, entre
musgo e lodo!
Tomai um rumo! O mundo se
abre a vós,
A terra é vasta, o céu,sublime
todo;
Sondai, juntai as partes com
critério,
Sempre a estudar o natural
mistério.
Perdendo o todo, eu mesmo,
que era outrora
Favorito dos deuses, me
perdi.
A me provar mandaram-me
Pandora,
Que mais riscos que bens
trazia em si;
À boca dadivosa eles me
alçaram
E, ao separar-me dela, me
arrasaram.
POEMA DE FERNANDO PESSOA
Dá este coração a todos que não queres perder em 2013
Tenta conseguir 12. Não é fácil.
Nunca desvalorizes ninguém...
Guarda cada pessoa perto do teu coração...
Porque um dia podes acordar...
E perceber que perdeste um diamante....
Enquanto estavas muito ocupado(a) coleccionando pedras.
E, por falar em pedras...
...lembrei-me agora daquele poema lindíssimo de Fernando Pessoa que não resisto a enviar novamente (e devia ser lido todos os dias... e em voz alta, para o "ouvirmos" melhor!):
Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...
(Fernando Pessoa)
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Colaboração da leitora/amiga Joventina Simões
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