O desabafo de Valério
e o efeito borboleta
João Felipe da
Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN,
membro do IHGRN e do INRG
Há poucos dias o presidente do Tribunal de Contas do Rio
Grande do Norte fez, neste mesmo jornal, um artigo desabafando todas as suas
angústias quanto ao destino dos órgãos de contas, em face dos pronunciamentos
de juristas e não juristas desta terra, bem como do entendimento de alguns ministros
dos tribunais superiores sobre as competências das Câmaras Municipais para julgamento
dos atos de gestão dos prefeitos. Fez uma análise perfeita levando em conta o
preparo do órgão técnico e a falta de isenção das atuais câmaras para uma
análise correta e um julgamento imparcial. Todos os munícipes, juristas ou não,
vereadores ou não, deveriam ler o desabafo de Valério.
Qualquer individuo que tenha acompanhado o pleito eleitoral
nos diversos municípios deste Estado viu que a campanha se desenrolou debaixo
de paixões avassaladoras sem o mínimo de senso crítico. Toda essa paixão
desenfreada contamina as Câmaras e faz delas órgãos sem a menor isenção para
julgar qualquer coisa.
As contas de 2008 do prefeito Carlos Eduardo foram
examinadas debaixo dessa falta de isenção. Foram os próprios vereadores, em
entrevista nos jornais que reconheciam seu desconhecimento sobre contas. Quem
não sabe manda para quem sabe, para quem se preparou para examinar devidamente.
Mas esses vereadores, sem isenção, não procederam dessa forma. Isso levaria
tempo e atrapalharia o plano de tornar o prefeito inelegível. Cada um, a seu
modo, tentava exercer sua vingança pessoal, ou não queria se incompatibilizar
com os gestores de benesses.
Pior que tudo isso foi o despreparo no julgamento. A Câmara
além de não ouvir o órgão técnico auxiliar, que era o Tribunal de Contas, não abriu
uma comissão de inquérito para a devida apuração. Não houve, na verdade,
apuração dos fatos, um por um, mas simplesmente, como diz o acusador-mor,
evidências no Diário Oficial do Município. Ora, indícios sem apuração, implica
julgamento incorreto. Nem tudo que parece é. Quantas pessoas foram ouvidas pela
Câmara sobre as supostas irregularidades? Quem estava envolvido diretamente nas
ditas irregularidades? Para a defesa de qualquer acusado deveria ser
apresentado o processo completo com as ditas irregularidades para que se
produzissem as devidas defesas. Ou não é assim que tem que ser feito senhores
juristas? O prefeito foi convocado para se defender ou mandaram simplesmente um
ofício pedindo esclarecimento das vagas insinuações?
Recordamos aqui alguns pontos, da minha compreensão. Não
havia necessidade da prefeitura consultar a Câmara sobre a venda, pois ela não
gerava nenhum endividamento; muitos dos atos de pessoal publicados no Diário
Oficial do Município não eram simples concessão do prefeito, mas direito dos
servidores, e tudo isso fazia parte da previsão orçamentária da Prefeitura; a
administração municipal não ficou se lamentando dos erros do passado, mas
diante de dificuldades financeiras foi em busca de recursos da ordem de 40
milhões. Aritmeticamente, não houve prejuízo de 9 milhões, mas um acréscimo de
31 milhões nos cofres municipais; a administração municipal, mesmo agindo de
forma incorreta, não se apropriou dos recursos da previdência municipal, mas se
socorreu temporariamente daqueles dinheiros para evitar o caos municipal, tendo
devolvido em tempo os recursos, mesmo a Câmara Municipal tendo tentado
prejudicar a cidade. O prefeito preferiu se arriscar a ver a cidade caminhar
para o abandono. Pergunto aos munícipes de Natal. Houve, realmente, espaço e
tempo para o acusado responder com propriedade, e não de forma resumida, como
fiz acima, as questões suscitadas?
Entro agora na questão, que denomino o erro de Micarla.
Quando cheguei à Administração Municipal em 2003, a situação financeira não era
boa, como de costume. Já no segundo semestre participei de reunião com o
prefeito com a finalidade de cortar orçamentos e recursos, a fim de equilibrar
as finanças, principalmente, por conta de obrigações extras e quedas de
receitas no segundo semestre. Esse procedimento se estendeu por todos os anos
seguintes. Tudo isso dificultava mais ainda a correção dos diversos planos de
cargos e salários dos servidores. O aumento acima da inflação do salário mínimo
ia corrigindo algumas situações, mas criava ao mesmo tempo algumas distorções.
Todas as projeções que fazíamos para melhorar a situação dos servidores iam
além da capacidade financeira da prefeitura.
A prefeita fez uma escolha quando assumiu. Resolveu melhorar
o salário dos servidores, como era para ser feito. Só que cometeu um grande
equívoco, por falta de assessoramento e incompetência da Câmara, pois não houve
previsão das consequências, quando resolveu dar, de uma vez só, muitos
benefícios, onerando assustadoramente a despesa com pessoal e encargos, por vários
anos pela frente. Como na Teoria do Caos, o efeito borboleta provocou um furacão
nas finanças da Prefeitura que impossibilitou a administração municipal de
cuidar de outras questões essenciais da população de Natal, agora, e por mais
alguns anos pela frente. Já com os dados do orçamento de 2013, constatamos que
a despesa realizada com pessoal e encargos em 2011, já ultrapassava em mais de
R$ 342 milhões a realizada em 2008. Os investimentos que em 2008 foram de R$
233.117.000,00 caíram para R$ 78.964.000,00. O item outras despesas correntes
evoluiu de R$ 431.690.000,00 para tão somente R$ 594.900.000,00.
Um detalhe que chama a atenção, mas é muito comum na
elaboração do orçamento é a previsão, a menos, para os anos seguintes. Para
pessoal e encargos, embora a despesa realizada em 2011 já tivesse alcançado
mais de 846 milhões, a despesa fixada nesse item, para 2012, foi de
aproximadamente 717 milhões e a prevista, para 2013, de aproximadamente 739
milhões.
Infelizmente, a nossa cidade vai ser penalizada por mais
alguns anos, a menos que surja algum fato novo que mude essa realidade.
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