domingo, 10 de junho de 2012

JESUS CRISTO POR UM DIA

Serra Negra do Norte é aquela cidade do nosso Estado, situada na ponta oeste do Seridó, encaixando-se em alguns municípios do Estado da Paraíba.

Apesar de pequena, já se destacou no comércio do algodão, e do couro de boi ao couro do teiú, maior lagarto brasileiro já em extinção, também conhecido por tejuaçu ou teju.

Foi um empório bastante movimentado. Dali partiam as mercadorias, incluindo-se “peles” de ovelha e de bode, passando por Caicó-RN, até chegarem ao Sul do País. O Algodão, já era beneficiado (descaroçado) na usina da SANBRA – Sociedade Algodoeira do Nordeste do Brasil S/A – ali mesmo na cidade, onde o velho Dinarte começou sua carreira política, exatamente impulsionado por aquele comércio diversificado, através de sua “Importadora Dinarte Mariz Ltda”.

Ressalte-se que o domínio político daquele recanto estava restrito a algumas famílias abastadas ou remediadas. Fincado em três forças como: Os Bezerra da Cunha, os Faria e os Mariz, que até hoje ainda gozam privilégios e exercem domínios político e econômico.

Dos Bezerra da Cunha, destacou-se o velho Artéfio Bezerra, prefeito municipal por mais de uma vez, e um dos personagens desta narrativa. Chegou a eleger um dos seus moradores para substituí-lo na direção dos destinos do município, cuja gestão ocorrera com bastante êxito.

A tradicional feira da cidade convencionava-se aos domingos - hoje, ao que nos consta é aos sábados -; e muita gente a ela acorria não só para efetuar compras ou vender alguma mercadoria avulso. Grande parte vinha fazer uma visita a Nossa Senhora do Ó, padroeira do lugar e os mais moços, quem sabe, arranjarem namorados. Aquelas meninas que usavam azeite de carrapato (mamona) e banha de porco nos cabelos para amaciá-los e, para tirar a inhaca, bastava uma gota de extrato marca Dyrce, vendido no mercado negro, em caixas quadradas onde acondicionavam pelo menos duas dúzias daqueles frasquinhos de 5ml, rotulados de “Amor Perfeito”, “Não Sai do Lenço” e diversos outros atrativos. Mesmo assim não perdia a má-fama pelo baixo preço, ao alcance da classe menos favorecida. É que a turma “endinheirada” o conheciam por “Rola de Pobre”. Um preconceito que vem de longe. Os rapazes, por sua vez, usavam a brilhantina “Glostora”, “Roial Briar” ou “Vale-Quanto-Pesa”, sem desprezarem os tubozinhos, conduzidos naquele bolsinho da frente, já beirando ao cós da calça. Mas deixemos os detalhes.

Foi num desses dias de feira que o ‘Velho Artéfio’, como era mais conhecido, estava chegando da fazenda, costumeiramente na parte da tarde, e encontrou o local onde se instalava o comércio temporário ‘sem um pé de pessoa’. Para sua estranheza, sem dúvida. Olhou para um lado, para o outro... aproveitou a parte alta da cidade para direcionar a visão até sua casa, localizada nas proximidades do “Coreto”, quase à beira do Rio Espinharas que banha parte do município, vindo lá das bandas da Serra do Teixeira trazendo as águas de Patos e de São José do mesmo nome, na Paraíba.

Sem o uso de qualquer aparato, um binóculo, por exemplo, o alcaide-mor vislumbrou uma multidão ao redor de sua ‘mansão’, debaixo de uma timbaubeira de grande porte, e ramos frondosos, bem na beirinha do rio. Foi se aproximando em marcha lenta, pois era portador de deficiência, em razão de queda sofrida no campo, quando corria atrás de gado, deparou-se com um sujeito sentado numa das raízes expostas da árvore. Cabisbaixo, trajando roupas franciscanas, barba e bigode já de bom tamanho. Não se alimentava, embora pessoas bondosas o tivessem oferecido alguma refeição. Quase não falava e quando pouco, balbuciava alguns nomes compreensíveis com muita dificuldade, mas dava para traduzir: Ele dizia que era Jesus Cristo e que estava ali para anunciar os “Três Dias de Escuro”, já há tempos profetizados. E veriam por volta de duas semanas, no máximo.

Com aquela criatividade dominava todos os espectadores, alguns se deslocando para Igreja de Nossa Senhora do Ó, para rezarem e pedirem perdão a Deus pelos pecados até ali cometidos. O templo estava lotado. Até que chegou um menino esbaforido, subiu ao patamar e anunciou: “A polícia resolveu tudo”. Disse isso e se mandou de volta. Para crescer ainda mais a dúvida dos devotos.

Pois bem. O “Velho Artéfio” observou bem direitinho a atitude do “profeta”e disse: “Meninos, nem é Jesus Cristo nem é Santo. Peraí que eu vou invocá-lo bem juntinho dele. Vão lá em cima (referindo-se à parte alta da cidade), digam ao Sargento(Delegado) que eu estou precisando de um cabo e dois soldados. E venham logo”! Uma ordem daquela e de quem partiu só poderia surtir efeito imediato.

Com a chegada dos policiais, o velho alcaide ordenou: “Metam-lhe o couro nesse sujeito, para ver se ele faz o mundo se acabar agora ou escurecer tudo por três dias”.

O ‘engraçadinho” agüentou poucas lamboradas. Saiu correndo, enfrentou um poço de relativa profundidade, nadou uns vinte ou trinta metros lineares, saiu do outro lado demonstrando sinais de cansaço, ainda ouvindo os gritos do “Velho Artéfio” dizendo: “Cabra safado, se daqui há uma hora você for encontrado no Município de Serra Negra, vai ver os três dias de escuro primeiro do que nós”.

Disse isso e se recolheu aos seus aposentos, como se nada tivesse acontecido. E a partir daquele instante, a feira se recompôs, a igreja que se encontrava lotada, teve reduzida a presença dos fiéis e dali em diante tudo correu normal até o sol se pôr, anunciando o final da feira.

Aquele episódio rendeu muitos comentários. Alguém dizia que o fulano ou a beltrana chegaram a revelar ao padre alguns pecados de alta potencialidade (ou periculosidade?) que, em vida, jamais contariam a “seu ninguém”.

Quanto ao “profeta”, não sabemos se lhe compensou ser “Jesus Cristo” por um dia.

JOSÉ SANTOS DINIZ
RN-0242/JP

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