segunda-feira, 21 de maio de 2012

CÂNDIDO MOTTA FILHO
Por Franklin Jorge

Jornalista e magistrado, político, sobretudo um leitor exemplar, protagonista da história. Membro da Academia Brasileira de Letras, do Instituto dos Advogados do Brasil, ministro de estado etc. Cândido Motta Filho escreveu suas memórias especialíssimas, das quais tenho sob os olhos o segundo volume, Dias lidos e vividos [Livraria José Olympio Editora/MEC, 1977].

Leitor exemplar da vida e dos livros, apresenta-o Josué Montello em sua totalidade. Crítico, ensaísta, cronista, memorialista, um arguto jornalista literário, autor de Contagem regressiva, memórias impregnadas de sua voz, do seu modo de ser que, a maneira do poeta leu todos os livros – mas sem que daí lhe resultasse uma concepção melancólica da vida. Cândido Motta Filho está aqui, observa Montello, em seu extraordinário poder de afeição e comunicabilidade.

Dias lidos e vividos começa com o toque de recolher do autor, em 1967, quando colhido pela compulsória que descreveu como uma forma administrativa de morrer, sem morrer. Os últimos dez anos serviu como ministro do Supremo Tribunal Federal, a mais alta instancia do poder civil, entendeu que é na luta pelo direito que o homem revela a índole de seu egoísmo e de seus pecados. Dá razão a Rilke quando diz que cada um vive a sua vida e morre a sua morte.

Seus textos transmitem vida. Escritos por um homem que devora o mundo com gulodice, com os olhos e com as mãos. Foge do convencionalismo e da rotina. Seus encontros com a vida, na presença de homens. O nome tem sempre um valor mágico. Uma caterva de sortilégios no país da reportagem.

O mistério da perversidade que incute a literatura. A loucura do ilimitado. Dias lidos e vividos revivam lembranças de personagens, fatos, leituras, e experiência. Grande parte da vida do autor passou-se no convívio dos livros, da tribuna e dos jornais. O mestre ilibado. O humanista. O homem das leis e das letras. Testemunha privilegiada do tempo. Lendo-o, ocorreu-me a mais crua definição da missa rezada por Padre Jorge O´Grady de Paiva, na igreja da Lapa. Absurda, sem deus.

Dá-nos Cândido Motta Filho a cartografia de suas leituras. Seus encontros com homens e fatos, em sua sofreguidão inovadora, capaz de perceber que o infortúnio é egoísta. Gilberto Amado é um retrato polifacetado do intelectual e do homem que conheceu, como o conheceu de perto, também, o Antonio Carlos Villaça, que viu Amado em outros ângulos, até o fim da vida, na companhia da empregada. Uma figura carismática que ocupou a atenção de dois grandes memorialistas, Cândido Motta Filho e Antonio Carlos Villaça, cada um na sua. Das duas visões há de sair um retrato de corpo e alma. Um retrato falado por dois grandes observadores literários.
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Reproduzido de O Santo Ofício

DJALMA MARANHÃO, O QUIXOTE POTIGUAR
Por Antenor Laurentino Ramos

Conheci Djalma Maranhão em Nova Cruz, quando eu era ainda estudante secundarista. Estava no ardor da mocidade. O grande político fora fazer uma palestra juntamente com Aldo Tinoco, o pai. Salatiel, George, Marcílio de Dr. Otacílio, Claudionor Soares, Raimundo Menezes e eu fôramos convidados por Eliezer Menezes, líder operário comunista da cidade. A reunião teria lugar no Cinema Éden, de Paulo Bezerra Souto, simpatizante também esquerdista também, da época.

Tempos depois, iria reencontrá-lo no seu exílio em Montevidéu. Já o conhecia de vista no Jornal de natal de sua propriedade. Via-o sempre, em conversa animada com meu irmão Afonso e Luis Maranhão Filho. Eu trabalhava, nesse tempo, no Diário de Natal. Como revisor.

Na viagem ao Uruguai, comemorávamos a conclusão de nosso curso, os Bacharéis de Direito de 1971, o Planex. Fazia parte dessa excursão 13 alunos, 6 homens e 7 mulheres. Entre eles relembro Lúcio Teixeira dos Santos, Andrier Abreu, Molina, Mizael Barreto, Elias Maciel, Cléa Bacurau, Lúcia Barbosa, Méssia Feitosa, Jandira, Nadja Lopes Cardoso, Salete do Ó Pacheco…

Foi uma longa e estafante viagem via terrestre. Saíramos de Natal, pernoitando no Rio, para retomarmos nossa viagem rumo às terras gaúchas. Chegamos mesmo a assistir em Porto Alegre a um jogo no Estádio Beira-Rio, Internacional versus Atlético Mineiro.

Na capital do Uruguai ficamos hospedados no Hotel Campeotti, Calle General Artigas. Após um demorado repouso, saíramos para o primeiro encontro com a bela cidade. Era uma das que nos tempos de estudante do Ginásio Natal desejava conhecer e o responsável por esse desejo o era meu saudoso professor de geografia.

Djalma já nos procurara à noite com Dona Dária, sua esposa. Trazíamos uma carta de seu filho, Marcus, nosso contemporâneo de Faculdade. Não chegamos a vê-lo nesse primeiro contato, Mizael e eu. Fôramos convidados por um amigo que fizéramos em Montevidéu a um passeio noturno pelo lugar com direito a vinho e cerveja.

No dia seguinte, lá estava Djalma de novo. Oferecera-se para ser nosso guia turístico e não largamos mais. Relembro o nosso primeiro contato, os colegas nos apresentaram a ele e a Dona Dária. Foi quando eu disse: “- Djalma, a gente já se viu em Nova Cruz. Eu era bem jovem. Depois, acostumei-me a vê-lo conversar com o meu irmão”. “- Quem é seu irmão?” “- Afonso Laurentino Ramos”. “- Não acredito, disse-me ele.

Desde ontem que eu pergunto a esses meninos se conhecem Afonso e deparo-me agora com o seu irmão!” “- Como vai ele? Namora ainda Lourdinha Alves, Diúda, irmã de Aluizio?” E notava em seu semblante, a alegria de saber notícias do Afonso! Maior surpresa, para mim, foi quando me perguntou: “- E Antonio Laurentino, seu pai?” “- E você conhece meu pai?” “- Ora, responde-me rindo: mas que a Afonso! Tomei muita cachaça e uísque com teu pai na praia da Redinha”. Sentia-me orgulhoso e emocionado por sabê-lo íntimo de meu pai e de meu querido irmão. Foi assim que vi Djalma Maranhão pela última vez.

Só falava em Natal; sentia-se nele a saudade do solo querido. Contou-nos muitas de suas peripécias após a prisão em Natal, a caminho do exílio. Que figura interessante e carismática, o Djalma! Um ano depois, voltava a Natal, não mais para retomar as suas atividades políticas que era a razão de ser de toda a sua história. Chegava morto e aplaudido pelo povo, com gritos de alegria e de lágrimas, ele que fora o maior prefeito de Natal de todos os tempos, o verdadeiro prefeito do povo!

Djalma era um político raro nos dias de hoje, uma espécie em extinção. Sentia Natal e o seu povo; confundia-se com ele, e a sua popularidade não era uma popularidade fabricada pela mídia, era natural, fruto da sua empatia com a gente potiguar. Tinha aquele que os franceses chamam de rapport, uma ligação afetiva que se estabelecia num primeiro momento com as massas.

Djalma merecia ser mais bem lembrado em Natal. O muito que se fizer em sua homenagem, é pouco pelo que para nós representou como líder e administrador. Revolucionou mesmo a administração da cidade. Foi, com Aluizio Alves, o exemplo maior, infelizmente não continuado, de excelência administrativa aliada a um idealismo sem par. Considero-me um privilegiado em ter com ele privado da sua convivência, do seu sonho de ser o redentor de sua terra. Grande Djalma, figura marcante, Dom Quixote mesmo, condestável de seu tempo em Natal! Salve!
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Reproduzido de "O SANTO OFÍCIO", de Franklin Jorge



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