LEIS DO FUTEBOL E DO MERCADO
Marcelo Alves Dias de Souza*
Sou um apaixonado por futebol. Natural, portanto, que eu acompanhe aqui em Londres, ainda que pela TV, os jogos e o noticiário do meu esporte favorito. Acontece que estou morando na região do Estádio Nacional de Wembley. Dez minutos a pé do apartamento do casal Helinski, bons potiguares (apesar do estranho nome) que me receberam muito bem. Se o destino ali nos pôs, que aproveitemos. Com tickets facilmente comprados pela internet (e entregues em casa), teríamos o nosso “debut” em Wembley: Inglaterra x França.
Mas dado a possibilidade de Natal ser uma das sedes da Copa Mundo de 2014, decidimos ir ao jogo menos como torcedores e mais como “investigadores” (eu, pelo menos), para conhecer como se passaram e se passam as coisas com o novo Wembley. Para quem não sabe, a exemplo do que se propõe em Natal, o velho Wembley (inaugurado em 1923) foi demolido em 2003 para construção do novo (inaugurado em 2007 com capacidade para 90 mil espectadores), com a proposta/promessa de revitalização de toda a área ao derredor do estádio. Guardadas as devidas proporções, algo semelhante ao que se propagandeia para Natal e o nosso Machadão.
E fomos lá, eu e o amigo Helinski, com um acerto prévio quanto aos nossos papéis. Como uma imitação destrambelhada de Holmes e Watson, eu ficaria atento (pesquisaria e registraria tudo) e ele curtiria o espetáculo, para depois me passar suas impressões. Na hora, já achei que tinha feito um péssimo negócio. Tive certeza quando ele, já no estádio, abriu a primeira cerveja. “Mas não se pode ter tudo”, pensei.
Cumpri meu papel e tudo registrei. O estádio é uma maravilha, obviamente. Tudo novinho e mais de 85 mil torcedores devidamente sentados àquele dia (multidão cujo escoamento foi perfeito ao final do jogo). Pouco animados, achei, mas vai ver porque a Inglaterra perdeu por 2 x 1. Militares das várias armas do Reino Unido, afora polícia e segurança privada, dão um tipo especial de apoio, em virtude de um interessante convênio que permite o acesso gratuito de um número deles por temporada (algo que poderia ser imitado por nós, para desafogar a nossa atarefada polícia militar). Restaurantes e bares à vontade, banheiros a dois passos de você, tudo funcionando com aquela eficiência. Sim, também existam os camarotes e as áreas VIPs, aos quais, infelizmente, não tivemos qualquer acesso. Não se pode frequentar tudo.
Para a tarefa a que me propus, comprei até o livrinho/revista do jogo. Aqui, pelo menos para esses jogos mais importantes, tem um livrinho mostrando a história do confronto, analisando os times e explicitando as regras do estádio, tudo com muitos dados, entrevistas e fotos de ídolos de ontem e de hoje. Muita informação e até uma seção para o Direito. Estava lá a advertência do Foolball (Offences) Act de 1991: é crime ingerir álcool na arquibancada (só é permito na parte de trás, na área dos bares), assim como entoar cantos ou gritos indecentes, racistas, anti-semitas, islamofóbicos ou homofóbicos. Nesse ponto, nem tanto ao céu nem tanto à terra. Regras politicamente corretas, mas exageradas. Mas vai ver eles sofrem desses problemas com mais intensidade do que nós. Em nossos estádios, como torceríamos sem “elogiar” a mãe do juiz? Essa nossa maior liberdade é algo muito bom e tive vontade de gritar para um inglês afetado que se achava ao meu lado: “vocês também não podem ter tudo”.
Fiz, posteriormente, o meu dever de casa. Pesquisei sobre a região de Wembley. Descobri que houve um desenvolvimento na área mais ou menos coincidente com a construção do estádio. Um incremento na infraestrutura, sobretudo de transporte. Mas não saiu tudo conforme o planejado. As leis do mercado (imobiliário) são cruéis. Passados alguns anos, muito ainda está por fazer. Dos empreendimentos imobiliários prometidos ao derredor da arena – edifícios residenciais e comerciais, shoppings, salas de cinemas etc -, apenas alguns foram realizados (ou estão andamento) e muitos não foram sequer iniciados. Se muito dinheiro público foi investido (o estádio é nacional e fala-se em valores finais de 1 bilhão de libras) e algo foi desviado (era para ser tanto, mas acabou sendo tanto e algo), será que valeu a pena?
Balanço do meu jogo: sobretudo por ser um apaixonado por futebol, é claro que gostaria de ter a Copa do Mundo em Natal. Mas eu insisto, não se pode ter tudo na vida. E isso, desconfio, vale para pessoas e para cidades. Londres pôde demolir seu estádio e construir um novo. Fez um bom negócio? Do ponto de vista do investimento/resultado, duvido muito. Mas talvez eles possam, com seu futebol milionário e shows de bandas e artistas famosos, se dar a esse luxo.
Sem desmerecer o esforço das autoridades do RN, como definir o nosso sonho para 2014? Queremos, mas não podemos, é o que está parecendo. Com a licitação para demolição e construção do novo estádio deserta, restou uma sentença: em Natal, o investimento que se pretende não se paga. E eu não vou nem entrar aqui em problemas que certamente enfrentaríamos, com dinheiro público investido, como o direcionamento da licitação/obra, o superfaturamento ou o desvio de valores. Isso ficaria para os homens de bem fiscalizar e evitar.
No mais, o meu companheiro de jornada disse que a cerveja estava bem gelada. Reclamou apenas do fato de não se poder beber quando na arquibancada e que pararam de vender a tão desejada “commoditie” aos 15 minutos do segundo tempo. “Um forma de conter os ânimos após o jogo, mas é chato”, disse ele. “Mesmo seu time ganhando, não se pode beber tudo”, disse eu, sem muita convicção, lembrando as vitórias do meu ABC.
*Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador da República
Mestre em Direito pela PUC/SP
Doutorando em Direito pelo King’s College London - KCL
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FONTE: "O SANTO OFÍCIO", DE FRANKLIN JORGE
terça-feira, 30 de novembro de 2010
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