quinta-feira, 24 de junho de 2010


DONA MILITANA
O CINEASTA HERMES LEAL LANÇA EM 28 DE JUNHO DE 2010 NO CINE CEARÁ EM FORTALEZA O DOCUMENTARIO “DONA MILITANA A ROMANCEIRA DOS OITEIROS” COM TRILHA SONORA DO VIOLONISTA GEREBA

Dona Militana deixa romances em CDs
Publicação: 22 de Junho de 2010 às 00:00 Tribuna do Norte
Diferente do norte-rio-grandense Fabião das Queimadas, que morreu sem fazer qualquer tipo de registro sonoro de seus romances entoados, Dona Militana deixa para os pesquisadores e apreciadores de seu trabalho, suas palavras, sua voz e sua imagem em discos como o CD triplo Cantares, realizado pela Fundação Hélio Galvão e Scriptorin Candinha Bezerra. O disco Cantares, mais que o registro sonoro de Dona Militana foi o que impulsionou a romanceira no cenário da cultura nacional. Foi a partir dos eventos de lançamento do disco, que intelectuais, jornalistas e pesquisadores passaram a conhecer a dimensão do fenômeno Militana. O disco teve a direção artística do produtor cultural e escritor Dácio Galvão.
Segundo Dácio, o disco foi o resultado de dois anos de trabalho ininterruptos. “Dona Militana era muito tímida. Às vezes ela ia para o estúdio gravar, cantava duas músicas e voltava”, relembra Dácio. Nas 53 faixas do CD a romanceira canta acompanhada de grandes instrumentistas, como a pianista Dolores Portela (que tocou um cravo trazido de Pernambuco), o músico Osvaldo D’Amore (violino) e o flautista Carlinhos Zens. Além do violino, do cravo e da flauta, outros instrumentos foram usados para acompanhar Dona Militana.
Os instrumentistas tiveram que seguir a linha melódica da romanceira, suas pausas e até suas desentoadas. “Não violentamos digitalmente as gravações, por isso os músicos tiveram que se submeter ao seu estilo”, disse Dácio. Segundo o produtor, o disco é uma verdadeira atualização do romance ibérico, num cenário contemporâneo. No lançamento do disco, no Sesc Pompéia (SP), Dona Militana protagonizou ao lado de Ariano Suassuna e Antônio Carlos Nobrega, dois dos principais nomes da cultura brasileira. O produtor cultural lembra que Dona Militana no palco do Sesc de São Paulo, já sentia que deveria assumir uma postura cênica, tanto que já incorporava uma postura diferente diante do público. Dácio relata que naquela noite, Antônio Carlos Nóbrega combinou o romance que ela iria cantar na apresentação, mas na hora ela não cumpriu com o combinado, deixando todo mundo louco. “Dona Militana foi ovacionada de pé”.
O disco além de registrar 53 dos 800 romances guardados na memória de Dona Militana, traz fotos e uma representação escrita da sonorização de palavras, que não estão relacionadas a nenhum idioma conhecido.
O CD teve a tiragem de 1000 cópias, muitas das quais doadas a instituições e pesquisadores. Outra parte foi entregue a própria Dona Militana para que pudesse vender. Segundo Dácio, os discos restantes compõem a reserva técnica da Fundação Hélio Galvão e do e Scriptorin Candinha Bezerra, mas podem ser consultados mediante solicitação.
Além de Cantares, outros três discos trazem a voz, a letra e a melodia de Dona Militana: “Songa também dá Coco” feito pela prefeitura de São Gonçalo do Amarante em 1999; “Romances e cantos de Incelências”, da Fundação José Augusto, também no final da década de 90; e “Sergipe Cantadores e Violeiros”, da Secretaria de Educação de Sergipe em 1990.
Dona Militana, do Estrelato ao Abandono
“Lá nos Barreiros onde eu nasci,
Em São Gonçalo onde eu me criei,
Eu vou voltar pra meu sítio Oiteiro,
Adeus Rio de Janeiro, adeus.”
(versos cantados por Dona Militana numa apresentação no Teatro João Caetano, Rio de Janeiro, durante participação especial no espetáculo "Lunário Perpétuo", ao lado do brincante pernambucano Antônio Nóbrega).
Matriarca de uma grande família, administra a vida e uma vila de casas de taipa, pertencentes a seus filhos, netos e bisnetos que moram no entorno de sua casa de tijolo humilde, visitada por artistas e pesquisadores importantes. Aos 79 anos de idade, Dona Militana mora com a filha Benedita no alto de Canaã, comunidade de São Gonçalo do Amarante. Seu ambiente já foi objeto de ensaio fotográfico por Candinha Bezerra, por quem Dona Militana guarda especial apreço.
Dona Militana canta romances. Um estilo popular que foi herdado da Europa Medieval, mais precisamente da cultura ibérica, carregando em seus enredos histórias trágicas sobre príncipes e plebeus. A romanceira lembra de músicas que poderiam ser perdidas com o tempo e, com elas, uma fatia da cultura brasileira, nordestina e potiguar.
Dona Militana só começou a cantar os romances na década de 1990, depois que o pesquisador e folclorista Deífilo Gurgel a descobriu. De acordo com o folclorista, Dona Militana é importantíssima para o folclore brasileiro. “Ela cantou um romance religioso pra mim, chamado O Milagre do Trigo, esse romance não existe no Brasil nem em Portugal, só existe versos dele na Espanha. O que me intriga é como isso veio parar na cabeça dela. Ela é uma pessoa fabulosa em matéria de cultura tradicional do romanceio. A mulher é fora de série. Atualmente, ela é a maior romanceira do Brasil” afirmou Deífilo Gurgel.
Conhecedora de dezenas de peças raras dos romanceiros ibéricos e brasileiros, Dona Militana aprendeu os cantos através de seu pai, Atanásio Salustino do Nascimento, conhecida figura do folclore de São Gonçalo do Amarante.
Dona Militana foi destaque em 1992, na imprensa nacional quando esteve em São Paulo e no Rio de Janeiro cantando durante o lançamento do CD triplo "Cantares", do Projeto Nação Potiguar, e ainda participando de outros eventos. Ela fez sucesso entre pesquisadores e intelectuais, que viram nela uma das últimas representantes vivas dessa tradição.
Críticos e jornalistas de grandes jornais brasileiros se renderam aos encantos e mistérios da voz de Dona Militana. O jornalista Mauro Dias, de O Estado de São Paulo assim a descreveu: "Canta romances. Histórias centenárias, sobre reis e princesas, duques e plebéias; histórias terríveis, romances de amor e morte, de ciúmes e vinganças mantidas, por algum motivo, a ser descoberto, num formato muito próximo ao da origem, os cantadores medievais da península ibérica."
Romances, xácaras, modinhas, toadas de boi, coco, romarias, desafios, cancela, parcela, moirão, aboios, jornadas de chegança e fandango constituem o universo imaginário de Dona Militana. Essa diversificação de gêneros fornece o ambiente propício para que a romanceira conte estórias de reis e princesas, de duques e condes, de cangaceiros, escravos, súditos, santos, coronéis e mitos, que compõem o legado herdado pela intérprete de seus antepassados, que a memória privilegiada fez preservar, permitindo o justo registro para a posteridade.
Visivelmente abatida pela idade e com sérias crises de pressão alta, Dona Militana reside com uma de suas sete filhas, Benedita e alguns netos, numa casa simples e sem conforto, na comunidade de Canaã, São Gonçalo do Amarante.
Apesar de ter uma grande consideração pela fotógrafa Candinha Bezerra, Dona Militana sente-se esquecida pela mesma. “Ela mandou arrancar todos os meus dentes e prometeu colocar uma prótese. Já se passaram cinco meses e ninguém nunca mais apareceu por aqui”, desabafou.
Dona Militana também não recebe nenhum centavo dos royalties ou direitos autorais com a venda do CD Cantares, desenvolvido pela Fundação Hélio Galvão, dentro do projeto Nação Potiguar. A romanceira diz que recebeu apenas R$ 2 mil. Não há nenhum CD em casa para que ela possa vender ou mostrar aos seus visitantes.
Durante o Auto de Natal, ao lado da cantora Elba Ramalho e do ator global Lázaro Ramos, Dona Militana fez uma apresentação especial e, até hoje não recebeu o cachê prometido pela Fundação José Augusto, órgão responsável pelo evento. Enquanto isso, o Governo do Estado pagou uma fortuna aos “artistas” nacionais pela participação na peça. “Já cansei de ligar para a Fundação e ninguém diz quando minha mãe vai receber o dinheiro”, disse Benedita Nogueira, filha de Dona Militana.
Comovidos pela situação da romanceira, um grupo de poetas da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte foi fazer uma visita à Dona Militana. Segundo a poeta Cíntia Gushiken, Dona Militana foi abandonada por muita gente. Pelas nossas autoridades e pela prefeitura de São Gonçalo do Amarante. “Por ela ser um patrimônio daquela cidade e morar em nosso Estado, deveriam colocar assistência médica, jurídica e habitacional para ela. Quando chegamos lá, deparamos com uma situação que expressa um total abandono. É uma realidade que impressiona, mas temos que ajudá-la”, disse Gushiken.
Essa é a hora de render homenagens à Dona Militana, enquanto lhe resta um lampejo de saúde e disposição. Artistas, jornalistas, advogados, escritores, médicos, políticos, profissionais liberal, enfim, toda sociedade civil organizada, deve se unir, cobrar das entidades culturais oficiais e não governamentais para que o destino de Dona Militana não seja semelhante ao do mestre de Boi-de-Reis, Manoel Marinheiro.

| Alexandro Gurgel, Jornalista

“O QUE SÃO ROMANCES”
Romances são poemas musicados, cujas raízes mais profundas mergulham na Idade Média (476 – 1453 d.C), particularmente, nos séculos das Cruzadas (1096 – 1270), fase áurea da Cavalaria, em que a bravura dos cavaleiros cristãos deu origem às canções de gesta que traduziam em verso e canto, as aventuras dos Cruzados. Eram longos poemas, com centenas de estrofes, transmitidos oralmente, antes do advento da imprensa e perpetuados fielmente, pela memória popular.
Por volta de 1500, autores europeus tomaram a si a tarefa de sintetizar as canções de gesta (canções que celebravam grandes feitos) medievais, fragmentando-as em pequenos poemas que receberam a denominação de romances.
Romanceiro é, pois, a coleção desses romances que nos foram legados pelos colonizadores portugueses, acrescidos de outros criados aqui mesmo, no Brasil.
Os romances existiram com outras denominações, em diferentes países europeus, mas foi em Portugal e na Espanha que eles ganharam maior projeção.
O Estudo do romanceiro no Brasil compreende duas grandes vertentes: O Romanceiro Ibérico (de Portugal e Espanha) e o Romanceiro Brasileiro.
O Rio Grande do Norte, como os demais Estados nordestinos, é rico, ainda hoje em romances ibéricos e brasileiros.
Dona Militana
Dona Militana Salustino do Nascimento nasceu em Barreiros, município de São Gonçalo do Amarante, RN, no dia 19 de março de 1926 e residia no sítio Oteiro, do mesmo município.
Considerada a Guardiã do Romanceiro Medieval Nordestino, é a mais importante Romanceira do Brasil, já tendo sido condecorada pelo Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva.
Em setembro de 2005, Dona Militana recebeu do Presidente da República no Palácio do Planalto, em Brasília, a Comenda do Mérito Cultural Brasileiro, pela missão de preservar para o futuro o valioso acervo de Romances, legado de Portugal.

Fonte: Eventos Assessoria – eventosbr@yahoo.com.brFrancisco Alves da Costa Sobrinho

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