quinta-feira, 15 de agosto de 2024
Ilusão e poder
Padre João Medeiros Filho
Encontra-se no Livro do Eclesiastes a seguinte frase: “Vaidade das vaidades, tudo é
vaidade” (Ecl 1, 2). Uma análise dessa assertiva revela que a tradução portuguesa não elucida
exatamente o significado que o hagiógrafo quis imprimir no início de sua obra. Segundo
vários exegetas, dentre eles Joseph Coppens, Lucien Cerfaux, Jean Giblet etc. o sentido mais
próximo seria: ilusão das ilusões, tudo é ilusório; efemeridade das efemeridades, tudo é
efêmero. A palavra, traduzida do hebraico “ḥebel” para o nosso idioma significa fugaz,
passageiro. Daí o nome bíblico de Abel, aquele que teve vida curta.
Tudo passa! Eis a mensagem de sabedoria do Livro Sagrado, aprofundada pela tradição
cristã, partindo do ensinamento de Jesus. Vale a pena juntar tesouros que a traça corrói, ou o
fogo devora? Cristo ensinou: “Que adianta ao ser humano ganhar o mundo inteiro, se vier a
arruinar sua vida?” (Mc 8, 36). A história comprova tal realidade. Quantos dignitários e
potentados são destroçados, ao longo do tempo! Líderes importantes caem no esquecimento e
escárnio, mais cedo do que se imagina. Esta é uma profecia contida no Magnificat: “Depôs os
poderosos de seus tronos e exaltou os de condição humilde” (Lc 1, 52). Ao defender Graciliano
Ramos, o jurista Sobral Pinto asseverou: “Nenhum ditador é infalível e eterno.” Sem Deus, tudo
não passa de um sopro. Na antiga cerimônia de coroação do papa, o cardeal camerlengo
proclamava: “Sancte Pater, sic transit gloria mundi” (Santo Padre, assim passa a glória do
mundo). Vivem-se tempos em que o lucro, o prestígio e o mandar são imperativos que movem
aspirações de muitos. Há séculos, a humanidade exalta o ter e o poder, desprezando o ser, “obra
prima de Deus que não se repete”, na expressão do poeta Tagore.
Incutiu-se a ideia de que com habilidade, poder-se-ia alcançar riqueza e status.
Entretanto, verifica-se, como resultado, uma geração de pessoas desesperançadas e
deprimidas. Diante de uma situação análoga, Jesus expressou: “Tenho pena dessa gente,
cansada e abatida, como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 36). Infelizmente, a sede de poder faz
calar as ações que visam ao bem comum e à dignidade humana. A sofrida realidade de alguns
povos, outrora prósperos, agrava-se atualmente. Pelas ideologias inocula-se o vírus da
dominação. A busca desenfreada para manter-se empoderado foi o primeiro pecado da
humanidade. É o que se pode inferir da metáfora bíblica no Livro do Gênesis (3, 1-24). Adão
e Eva queriam ser iguais a Deus. Mais adiante, lê-se que Caim matou Abel (Gn 4, 8-16) para
permanecer senhor absoluto e único detentor dos bens paternos.
É lamentável perceber que nessa guerra de interesses, quem sofre as consequências
são os indefesos, cada vez mais privados das condições mínimas de vida e dignidade. A
sedução do poder cega diante das necessidades do próximo. Impede ações iluminadas por
amor e solidariedade. O povo fica relegado, a ponto de se tornar apenas peça no tabuleiro
do jogo das conveniências políticas e ideológicas. Sociedade da manipulação! Tais atitudes
opõem-se à vontade de Deus e colocam diante da absolutização de comportamentos
humanos. Triste constatar que a sociedade brasileira polarizada, com atenuantes aqui ou
acolá, vive uma guerra pelo poder. Isto tem causado incontáveis vítimas. A belicosidade
dos sequiosos de hegemonia não admite limites e desrespeita o homem. Não importa se
pessoas passam fome, ficam amontoadas nos corredores dos hospitais públicos, se a escola
é de baixo nível, a população vive insegura e infeliz. O ensinamento do Mestre da Galileia:
“Vim, não para ser servido, mas para servir” (Mt 20, 28) é descartado.
Monsenhor Expedito Sobral de Medeiros, outrora pároco de São Paulo do Potengi
(RN), repetia: “Governantes e legisladores necessitam defender os pobres, e não se defender
deles e usá-los.” Na certeza de que as alegrias, esperanças, tristezas e angústias dos homens
de hoje são também de Cristo, somos impelidos a tomar consciência de nossa responsabilidade
na construção de uma sociedade justa e digna. “O poder só é válido, quando se converte em
serviço”, dizia Santa Dulce dos Pobres! Rezemos como o salmista: “Desvia, Senhor, os meus
olhos, para que não vejam a vaidade, e faze-me viver no teu caminho” (Sl 119/118,37).
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