quinta-feira, 24 de novembro de 2022

 

Eu, Pintor?

A arte de Carlos Gomes

“Fora da Tradição, nenhuma originalidade verdadeira. Tudo o que não é Tradição é plágio”

Eugeni[o] d’Ors (“Xènius”)

 

Sobre o que significa “arte naífe (naïf)” não há entendimento uniforme. Certamente, pode-se traduzir o francês naïf/naïve por “ingênuo(a)” no sentido de espontâneo(a), despretensioso(a), instintivo(a), livre de escolas formais ou majoritariamente autodidata. A etimologia remete ao latim nativus/nativa, “inato; natural; originário”.

 

Para quem estuda psicologia da arte, naïf/naïve evoca a expressão da “originalidade verdadeira” dentro da Tradição cultural “nativa” e não-acadêmica de cada indivíduo que, quase invariavelmente, descobriu uma forma de expressão artística pessoal e que não se preocupa em seguir cânones ou padrões sistemáticos, apesar de estar fortemente vinculado a um “imaginário” amiúde, partilhado com outras pessoas da mesma região e época, mesmo que de forma idealizada, remetendo à natureza (paisagens, flora, fauna), à gente (tipos, vida cotidiana, costumes, festas) e aos sistemas simbólicos (alegorias, imagens, signos) com os quais se identifica de forma “visceral” e atávica, sem muita racionalização. A iconografia naífe e seu caráter pré- ou transracional aproximam-na, por vezes, do “primitivismo” e das “imagens do inconsciente”, e seu caráter simplificador de artifícios e eliminador de barreiras entre a expressão artística e o cotidiano não-mercantilista (e minimamente industrial) fazem-na precursora da “arte povera”.

 

Presentemente, a arte dita naïf não deve mais ser aprisionada em uma “caixinha” no âmbito do Sistema das Artes. É, primordialmente, expressão pictórica inserida no vasto cenário da Arte Contemporânea.

           

O rico universo das pinturas de Carlos Gomes, em suas apreciações transcriativas do mundo, ou na tradução de suas meditações solitárias, é alegre em suas cores e catártico em suas propostas, com um olhar “muito além do que a vista alcança” (em palavras de Iaperi Araújo), com originalidade atraente, mas sem ofender o esteio da Tradição – “aquilo que se traz e se transfere” –, e sempre fiel ao seu mundo interior, como nestes versos de Mário Quintana: “No retrato que me faço/ – traço a traço –/ Às vezes me pinto nuvem/ Às vezes me pinto árvore…/ Às vezes me pinto coisas/ De que nem há mais lembrança…/ Ou coisas que não existem/ Mas que um dia existirão…/ [...]”.

 

E assim, recordando o escritor, jornalista, filósofo e crítico de arte catalão Eugeni[o] d’Ors i Rovira (1881-1954) por meio do escritor e psiquiatra Llorenç Villalonga i Pons (1897-1980), podemos dizer: “Tudo que não for tradição é plágio. ‘Tradição’ não significa imitar o que já está feito, mas continuar um caminho iniciado, que há de conduzir-nos a novos descobrimentos”.

 

Em resposta à provocação proposta Eu, Pintor? –, resta patente o destacado valor e a contemporaneidade do artista Carlos Gomes, com assinatura visual própria e potente comunicação imagética conferidas na sua já vasta e profícua produção pictórica.

 

 

Edrisi Fernandes                                            Manoel Onofre Neto

Curador                                                              Curador

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