Eu, Pintor?
A arte de Carlos Gomes
“Fora da Tradição, nenhuma originalidade
verdadeira. Tudo o que não é Tradição é plágio”
Eugeni[o] d’Ors (“Xènius”)
Sobre o que significa “arte naífe (naïf)”
não há entendimento uniforme. Certamente, pode-se traduzir o francês naïf/naïve
por “ingênuo(a)” no sentido de espontâneo(a), despretensioso(a), instintivo(a),
livre de escolas formais ou majoritariamente autodidata. A etimologia remete ao
latim nativus/nativa, “inato; natural; originário”.
Para quem estuda psicologia da arte, naïf/naïve
evoca a expressão da “originalidade verdadeira” dentro da Tradição cultural
“nativa” e não-acadêmica de cada indivíduo que, quase invariavelmente,
descobriu uma forma de expressão artística pessoal e que não se preocupa em
seguir cânones ou padrões sistemáticos, apesar de estar fortemente vinculado a
um “imaginário” amiúde, partilhado com outras pessoas da mesma região e época,
mesmo que de forma idealizada, remetendo à natureza (paisagens, flora, fauna),
à gente (tipos, vida cotidiana, costumes, festas) e aos sistemas simbólicos
(alegorias, imagens, signos) com os quais se identifica de forma “visceral” e
atávica, sem muita racionalização. A iconografia naífe e seu caráter pré- ou
transracional aproximam-na, por vezes, do “primitivismo” e das “imagens do
inconsciente”, e seu caráter simplificador de artifícios e eliminador de
barreiras entre a expressão artística e o cotidiano não-mercantilista (e
minimamente industrial) fazem-na precursora da “arte povera”.
Presentemente, a arte dita naïf não
deve mais ser aprisionada em uma “caixinha” no âmbito do Sistema das Artes. É,
primordialmente, expressão pictórica inserida no vasto cenário da Arte
Contemporânea.
O rico universo das pinturas de Carlos
Gomes, em suas apreciações transcriativas do mundo, ou na tradução de suas
meditações solitárias, é alegre em suas cores e catártico em suas propostas,
com um olhar “muito além do que a vista alcança” (em palavras de Iaperi Araújo),
com originalidade atraente, mas sem ofender o esteio da Tradição – “aquilo que
se traz e se transfere” –, e sempre fiel ao seu mundo interior, como nestes
versos de Mário Quintana: “No retrato que me faço/ – traço a traço –/ Às vezes
me pinto nuvem/ Às vezes me pinto árvore…/ Às vezes me pinto coisas/ De que nem
há mais lembrança…/ Ou coisas que não existem/ Mas que um dia existirão…/
[...]”.
E assim, recordando o escritor, jornalista, filósofo e
crítico de arte catalão
Eugeni[o] d’Ors i Rovira (1881-1954) por meio do escritor e psiquiatra Llorenç
Villalonga i Pons (1897-1980), podemos dizer: “Tudo que não for tradição é
plágio. ‘Tradição’ não significa imitar o que já está feito, mas continuar um
caminho iniciado, que há de conduzir-nos a novos descobrimentos”.
Em resposta à provocação proposta – Eu, Pintor? –, resta patente o
destacado valor e a contemporaneidade do artista Carlos Gomes, com assinatura
visual própria e potente comunicação imagética conferidas na sua já vasta e
profícua produção pictórica.
Edrisi Fernandes
Manoel Onofre Neto
Curador
Curador
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