UMA
NOITE DESVAIRADA NA PAULICÉIA
Tomislav R. Femenick – Jornalista
e historiador
Tempo
atrás, um amigo paulista mandou-me, via Internet, uma foto tirada no início dos
anos setenta. Lá estavam o cineasta Cacá Diegues, a cantora Nara Leão, o
jornalista Samuel Wainer, a jornalista Sheila Leirner, o cartunista Geandré e o
jornalista e escritor Jorge da Cunha Lima. Seria apenas um grupo de
intelectuais, algo sem importância, não fosse também a presença da famosa Dona
Laura, proprietária da boate La Licorne (onde a foto foi tirada) e de outra
casa noturna, a Scarabociu.
Para
quem não nunca ouviu falar, o La Licorne,
principalmente, e o Scarabociu,
integravam o famoso circuito da Boca do Luxo, onde estavam os melhores cabarés
e boates da capital paulista. Tão famosas quanto essas casas eram suas meninas,
geralmente estudantes e algumas já formadas, que optavam por continuar na
noite. Mais famosos ainda eram seus frequentadores. Dizem que o charme dessas
mulheres encantou o Secretário de Estado americano, Henry Kissinger; o
presidente do Chile, Eduardo Frei; o piloto Niki Lauda, o cantor Julio Iglesias
e até uma comitiva da primeira-ministra hindu, Indira Gandhi. O La Licorne estava para São Paulo assim
como o Moulin Rouge está para Paris.
Mesmo
morando em São Paulo, a verdade é que eu nunca tinha ido ao La Licorne. Foi então que, por essa
época, o meu primo Carlos (o Dr. Charley do DNER) foi à capital paulista
participar de um seminário sobre construção de estradas. Caxias como ele era
com o dinheiro público, ficou hospedado na minha casa. No dia do encerramento
do encontro ele descolou um convite e me chamou para ir ao jantar no Hotel Hilton. Terminado o banquete, os
promotores do evento fizeram uma surpresa: todo mundo estava convidado para
tomar uns scotts no Scarabociu e,
depois, assistir ao show e tomar outros drinques no La Licorne. Fomos todos, até dois engenheiros que eram evangélicos.
No Scarabociu fomos recebidos pelas hostesses da casa e por algumas garrafas
de whiskies Buchanan’s, Old Par e
President, todos devidamente com maioridade plena, isso é, 21 anos. O
ambiente era pequeno, agradável e aconchegante, como devem ser as casas do
ramo. Mas lá estávamos apenas fazendo hora. Perto da meia-noite levantamos
acampamento e fomos em direção ao La
Licorne.
Aqui
se deu um fato insólito. Quando estávamos entrando na famosa casa, o show já
havia começado e as luzes do salão estavam apagadas. Ao meu lado estavam
Charley e um engenheiro do Paraná. Este me perguntou:
–
Você conhece bem o ambiente daqui?
–
Não porque, como você, está é a primeira vez que entro aqui – respondi.
Como
se fora uma deixa de teatro, no mesmo instante uma voz saída da escuridão
gritou:
–
Tomislav!!!
Eu
fiquei sem jeito – ou, como se dizia naqueles anos, perdi o rebolado. Como
Tomislav é um nome incomum, ninguém acreditou no que eu havia dito antes.
Fique
em pé, esperando as luzes se acenderem. Terminada a apresentação, notei uma mão
acenando para mim. Era meu amigo José Laorte, que morava em Brasília, estava
visitando São Paulo e, como eu, visitava o La
Licorne pela primeira vez. Depois das explicações, acho que tinha
convencido que eu não era um habitué
daquele cabaré. Eis que aconteceu o mais inesperado. Um outro amigo de Mossoró,
que há muito tempo eu não via, aproximou-se de mim, cumprimento-me e disse:
–
Hoje você vai conhecer Dona Laura – era outro mossoroense, seu motorista
particular.
Depois
dessa, ninguém mais acreditou em mim. Acho que nem mesmo eu.
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