ENCONTRO INESPERADO
Valério Mesquita*
Ela ainda guardava uma beleza aflita que não morre. De
tudo quanto se esquece não pude esquecer o amor adolescente que havíamos
vivido. Os seus braços ainda faziam lembrar meus cansaços e desatinos. Aquela
mulher na fila comum do supermercado parecia que estava no estaleiro do tempo,
estacionada nos cinquenta anos como se tivesse dissolvido a amargura das
coisas. Os óculos escuros escondiam profundezas abissais de prazeres
irrevelados e naufrágios conjugais.
Ali estava plantada como uma árvore morta com raízes na
minha alma. Ela que se tornara ausência em mim desde aquela tarde morta de
setembro. Não pude conter o ciúme retrospectivo. Apossou-se de mim, não mais
que de repente, a fria solidão dos despossuídos. A poeira do tempo começara a
lacrimejar os olhos de perdidas lembranças. Onde, aquele corpo juvenil de
dançarina de mambo, rosto de Silvana Mangano e quadris de Ninon Servilha? O
bongô oculto da orquestra invisível de Perez Prado cometia o milagre de
resplandecer ali, as suas formas em movimento, à luz do ocaso. Ah! Tanta
imaginação fugidia e ela nem olhava prá mim! Não. Ela não me vira. Com certeza.
Não seria tão fingida. Outra surpresa me estava reservada. Como se tivesse
saído da multidão dos seus abraços afetuosos e mágicos, fazendo descer pelo
declive sonhos e ilusões de tudo o que já fomos. Valeria a pena dizer o nome de
quem amei? Ou repetir a estrofe “de quem eu gosto, nunca falo”?
Conhecia-a na noite perdida da memória do Pax Clube de
minha terra. Era a garota do baile. Isso é tudo como identidade e currículo. Sai
quando ela cruzou a porta e se enfiou no carro com o jovem marido. Um riso
antigo ainda pude colher, de soslaio, da boca sensual e conhecida. O sol e o
ruído, lá fora, despertavam-me para a realidade. Tudo acontecia rápido e me
impelia prosseguir na sobrevida da lembrança que o tempo não desfez. Procurei o
meu carro no estacionamento solfejando o samba “Recado” que junto cantávamos
procurando inventar o nosso mundo. “Você errou quando olhou prá mim. Uma esperança
fez nascer em mim. Depois levou prá tão longe de nós, o seu olhar no meu, a sua
voz”... Brumas, nada mais...
(*) Escritor
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