A amiga Angela Dieb,
sempre zelosa quanto aos aspectos de cultura, arte e tradição, me
enviou o áudio da famosa valsa “Royal Cinema”, dando conta de que hoje
seria a data natalícia de sua composição, pelo Tonheca Dantas. E ainda
opinando que eu elaborasse algo em alusão. Assim, pus mãos à obra, me
propondo a cumprir a tarefa sugerida.
Na esquina das ruas Ulisses
Caldas e Vigário Bartolomeu se erguia o Royal Cinema, única casa de
espetáculos do gênero existente na Cidade Alta. Foi inaugurado em 1913,
dois anos depois do Polytheama. No início apenas se assistiam a
películas do cinema mudo, somente no ano de 1931 é que passou-se a
exibir filmes sonoros. Na época dos filmes mudos, e na quase totalidade
dos cinemas nacionais, havia sempre a presença de músico (normalmente um
pianista), que tocava seu repertório, não só nos intervalos das sessões
como também em meio às exibições das fitas. Entre aqueles que se
apresentavam no Royal podem se destacar os pianistas Garibaldi Romano,
Generosa Garcia, e o popular Paulo Lyra. Em dias especiais, com festa e
solenidade, era costume se apresentar um conjunto musical, como o
composto por Paulo Lyra ao piano, Manoel Prudêncio Petit na flauta,
Cândido Freire no saxofone, Calazans Carneiro no contrabaixo e João
Cosme na bateria. Um grupo que se exibiu por longo período no Royal era
formado por Eduardo Medeiros no violão, Tibiro no saxofone e Tonheca no
clarinete. Certa feita, o proprietário do cinema encomendou a este
último, já bem conhecido como compositor, uma valsa para ser tocada na
abertura das sessões. E foi assim que surgiu a célebre “Royal Cinema”,
em 1913, e que, durante a II Guerra Mundial, ficou famosa no mundo
inteiro, através das transmissões da rádio BBC. Quanto ao Royal, deixou
de funcionar antes mesmo do início da década de 40, por não ter
conseguido enfrentar os concorrentes, mais modernos e com novas
tecnologias.
Antônio Pedro Dantas, mais conhecido como Tonheca
Dantas, nasceu em Carnaúba dos Dantas/RN a 13/06/1871, e faleceu em
Natal/RN no dia 07/02/1940. Sertanejo de origem humilde, filho de
escrava alforriada e oficial militar, Tonheca contrariou todos os
prognósticos ao se tornar um dos compositores potiguares de maior
projeção internacional de todos os tempos. Autor de mais de mil músicas,
sua obra mais famosa, a valsa "Royal Cinema", que em 2018 completou 105
anos de composição, é considerada peça obrigatória no repertório de
qualquer banda sinfônica que se preze, inclusive no âmbito
internacional. Despertou o gosto pela música desde criança, aprendendo
com os irmãos em uma banda da sua cidade. Jamais teve formação superior
como músico, era autodidata. Em 1898 foi contratado como maestro da
Banda de Música da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, função que
exerceu por três anos. Em 1903, mudou-se para Belém do Pará, sendo
contratado como regente da Banda de Música do Corpo de Bombeiros. Em
1910, foi para a Paraíba, onde regeu as bandas de música das cidades de
Alagoa Grande e Alagoa Nova. Retornou definitivamente em 1911 para
Natal, para integrar a Banda de Música da Polícia Militar. Suas
composições eram principalmente valsas, mas também dobrados, maxixes,
hinos, xotes, polcas, marchas e outros gêneros musicais orquestrados.
São obras famosas também a valsa “Delírio”, a suíte “Melodia do Bosque”,
a valsa “A Desfolhar Saudades”, a marcha solene “Republicana”, e o
dobrado “Tenente José Paulino”.
O ex-prefeito de Natal na década
de 60, Djalma Maranhão, costumava chamar Tonheca Dantas de Strauss
Papa-Jerimum. O governo do Estado do Rio Grande do Norte prestou-lhe uma
homenagem com a inauguração da Sala Tonheca Dantas, no Teatro Alberto
Maranhão. Cláudio Galvão, em sua biografia sobre o músico, conta esse
episódio ocorrido no teste para maestro da Banda de Música da PMRN, em
1898: “Em seguida foi a vez de Tonheca Dantas. O comandante lhe entregou
uma partitura diferente da primeira e perguntou ao candidato qual o
instrumento que iria escolher. ‘Qualquer um…’ respondeu, ‘o senhor diga
qual o que quer’. Os membros da comissão se entreolharam, surpresos com a
audácia daquele sertanejo moreno e franzino, e resolveram por à prova
seus conhecimentos, mandando que fosse tocando a peça nos diversos
instrumentos da banda.” A citação se encerra aqui, mas é de se supor que
o Tonheca tenha tido completo êxito na empreitada.
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