quarta-feira, 3 de outubro de 2018

DOIS MONSTROS SAGRADOS



DE AMIZADE, INVENTÁRIO E ADESÃO

Valério Mesquita*

01) O Dr. João Medeiros Filho, advogado criminalista de saudosa memória, era um homem inteligente, de palavra fácil e de repentes desconcertantes. Foi um dos maiores tribunos do júri popular no Rio Grande do Norte. Certa vez, no antigo barzinho do Hotel Ducal Palace, da Praça Kennedy (ou das cocadas, como quer a plebe rude), o Dr. João Medeiros sorvia o seu whisky devagarinho, como compete a todo bebedor de primeira classe. Nisso, avulta no saguão o então governador Ivan Bechara, da velha Paraíba, com toda pompa e circunstância, chamando a atenção dos presentes. Ao lado do causídico, o jornalista João Batista Machado, do Diário de Natal, que cobria aqui a reunião da Sudene, foi interpelado: “Machado, esse aí é o governador Bechara?”. “Perfeitamente Dr. João”. “Conheci-o”, explica o advogado com aquela voz derramada, “há mais de vinte anos na Paraíba. Mas a essa altura a amizade já prescreveu!”. Sentença inapelável quando dito por um grande criminalista.
02) De outra feita, o Dr. João Medeiros Filho foi a Lages participar de uma audiência num processo de inventário. O juiz era nem mais nem menos do que o Dr. Luís Carlos Guimarães. Lula poeta, sensível e educado resolveu apresentar ao advogado natalense a inventariante do processo litigioso. “Dr. João Medeiros, por favor, essa senhora é a viúva”. De bote pronto, o velho mestre detonou: “Viúva! Viúva é ótimo!”.
03) No primeiro governo de José Agripino, o único município da Grande Natal que não integrava as hostes situacionistas era São Gonçalo do Amarante, administrado pelo prefeito Ítalo Monte, do MDB, e às voltas com um verdadeiro bombardeio de denúncias. Para se safar, Ítalo passou a manobrar uma adesão providencial ao governo, através de diligentes emissários. Como era de praxe, o governador José Agripino reunia todas as manhãs o seu “conselho político” no Palácio, antes das audiências públicas. Inicialmente, se dirigiu aos secretários Manoel Pereira e Laércio Segundo de Oliveira perguntando o que achavam dessa iminente adesão. “Achamos que ela soma, uma vez que o nosso sistema não é tão forte em São Gonçalo”. “Tem sentido”, responde o governador à cabeceira da mesa da sala de despacho, economizando as palavras. “E você, Machado?”. “Governador”, explica o jornalista e assessor de imprensa, “a vinda de Ítalo Monte divide os nossos adversários no município”. “Colocou muito bem”, rebate José Agripino segurando a testa, como é o seu habito nas horas de reflexão, rabiscando um bloco de anotações. “Brito e você aí não se manifesta?”, indaga o governador ao secretário Manoel de Medeiros Brito, sentado no outro lado da comprida mesa de despachos. “Governador, essa adesão é como contrapeso de sebo, nem cachorro come”. Foi aí que uma opinião hilária e minoritária venceu a maioria.

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