MERCENÁRIOS
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
Tudo incomoda o vivente. O sobrevivente. Provar a
sensação amarga da guerra perdida. Contemplar do alto do edifício urbano as
maiorias fúteis impondo iniqüidades sobre Natal. O ter que habituar-se com a
visão torta e vesga dos poderosos de plantão que impõem suas regras pela mídia.
Natal sem becos, sem esquinas boêmias, sem praças, sem preces, povoadas de
vultos inexpressivos que não serão falados amanhã. Extraviaram a noção de
história. Os anos inaugurais do século XXI não têm o glamour dos fatos e das
figuras do século passado. O homem coisificou-se. Perdeu a densidade, a
identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem história.
Na política, não temos
mais líderes como antigamente: os neófitos já saúdam os poucos náufragos que
irão morrer amanhã. A paisagem é deserta. As instituições se burocratizaram em
blocos de ferro e cimento armado. Não têm mais lume nem leme. “Igrejinhas” tão
somente. Não sei se há esperança. Não sei se há salvação. A única ameaça à
ordem constituída continua a ser o câncer de próstata. Muitos acreditam que é o
maior desafio ainda não enfrentado pelo Ministério Público. Por outro lado,
Natal a cada dia, fica mais insuportável com a quantidade de veículos. De motos.
Principalmente aquelas que cortam o seu carro pela direita. Mas, assim caminham
as capitais, as metrópoles para o futuro enganoso oferecido pelas imobiliárias.
O ensino público e privado mercadejou-se tanto quanto o turismo sexual. Perdeu
a qualidade. E viva a quantidade.
Fortunas repentinas arremetem-se para o alto iguais ao
crescimento vertical da cidade. Não há explicação. Não há investigação. Tudo é
volátil e volante. Expresso em arcos voltaicos celebrados na crônica social. É
aí que se deduz que toda celebridade quando não é célere, é celerada. Ou fazem
de cômicas todas as autoridades.
Saio de mim para penetrar na imponderabilidade do
oceano que assiste, lá fora, a decomposição humana. A visão misteriosa do
oceano pacifica e beatifica o pecador solerte, já dizia o décimo terceiro
apóstolo de Cristo, perdido no tempo e no espaço, ainda acreditando na grandeza
do último milagre.
Mas, estresse é coisa
séria. Pode ser trágico, para não dizer cômico. Não há como escapar de suas
ilações, reações adversas e efeitos colaterais. Mas, que Natal está chata e
irreconhecível infelizmente é verdade. Tenho ultimamente pensado muito em Lucrécia. As duas. A
Bórgia e a do Oeste. São pontos de fuga. Estações de tratamento para os dias.
Os mesmos dias.
(*) Escritor.
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