É
O PADRE!
Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com
Justamente por não me acudir a
jurisprudência da amizade, sou mais do que isento para lhe prestar um
testemunho. Não fui seu correligionário nem eleitor por conta das
circunstâncias política da época. Mas, de longe, admirava o padre governador, o
seu trajeto, enfeitiçado pelo cigano Aluízio. Walfredo, além do carisma
próprio, do altivo porte, irradiava uma simpatia mística até aos seus
adversários políticos. Monsenhor era humano, adepto da caipirinha, do vício do
cigarro e sofredor do Alecrim. No expediente palaciano era tão pontual quanto
na missa. A sua conduta na vida pública do Rio Grande do Norte, sem dúvida, me faz acreditar que foi uma vida em linha
reta.
Nasceu politicamente no velho PSD, lá
do sertão do Seridó. Autêntico fibra-longa, das vazantes do ltans. Deputado federal,
vice-governador, senador, governador do Rio Grande do Norte. Mandatos
históricos, misteriosos, tanto quanto os mistérios da fé. E como eram místicos,
mágicos, os padres conservadores sem as neuroses e as banalidades dos padrecos
comunistas de hoje!! Soube, muito tempo depois, o quanto Walfredo sofreu no
período da caça aos bruxos. Quanto lhe custou o sacrifício de não delatar.
Indigitar, acusar! A célebre conversa com Costa e Silva e a resistência
espartana e cristã, que ainda faz lembrar os primeiros cristãos imolados na
arena romana. Por tudo isso, o monsenhor vive. Passarão os anos e alguns
políticos, mas as suas virtudes não passarão.
Não fui dele apóstolo, seguidor e nem
ao menos ouvi o galo cantar três vezes. Sou, apenas, um 13º apóstolo, que
sobreviveu do seu sermão, para que pudesse dizer, muito tempo depois, que vi um
homem puramente cristão, um padre verdadeiramente político e um cidadão acima
de qualquer suspeita. Deus foi quem mandou.
A homenagem que lhe presto tem o
condão de resgatá-lo. Vindo ao mundo em 1908, ele se tornou um símbolo no dizer
do seu biógrafo, o memorável Bianor Medeiros. No seu livro publicado pelo
Senado Federal, relatou o testemunho do então senador Dinarte Mariz, que assim
se expressou: “É injusto atribuir-se
improbidade ao saudoso monsenhor Walfredo Gurgel, que de 1966 a 1971, governou
o Rio Grande do Norte. Fui seu adversário, sou insuspeito para julgar sua
memória: ninguém foi pessoalmente, mais probo e mais honesto”. Muitos
deporam sobre ele. Nesse ensejo convêm despertar a classe política, a igreja, a
cultura e a educação para saudá-lo e reviver o brilho de sua humildade cristã.
O monsenhor merece mais. Foi discreto, humilde, ao ponto de perenizar os
caminhos que trilhou nos deixando um legado de ações e obras em prol do bem
comum.
Dele, dentre tantos que já divulguei,
relembro duas histórias do folclore político:
01) Parelhas, ano da graça de 1967. Manoel Virgílio do
Nascimento, seridoense, 80 anos, reencontra-se com o conterrâneo e amigo
monsenhor Walfredo Gurgel, governador do estado. Havia muito tempo que não se
avistavam. Alegria, abraços e as perguntas inevitáveis do padre: “Manoel, que
prazer! E esses meninos, são seus netos?”. “Não, governador, são meus filhos”,
responde o velho sem perder o prumo. “Mas, seus filhos, você já com essa
idade?”. “Pois é, governador, o segredo é treinar sempre”, fechou o firo da
conversa o seridoense de fibra longa.
02) Certa vez, numa reunião do secretariado, o
monsenhor convidou a todos para a festa de Nossa Senhora de Santana na sua
Caicó. Todos assentiram, inclusive, o general Ulisses Cavalcante, secretário de
segurança que era radicalmente contra a exploração dos chamados “jogos de
azar”, tão comum nas festas paroquiais e profanas do interior. “Vou governador,
mas chagando lá não deixarei de agir e fechar todo o tipo de jogo!”.
Lembrando-se dos seus correligionários que bancavam o joguinho, o monsenhor não
esperou pra depois: “Ô Ulisses, sendo assim você está desconvidado, porque lá
quem manda sou eu. Festa sem esses divertimentos não presta. É a tradição!”. E
Ulisses não foi.
(*) Esritor
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