sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Crônica de Valério Mesquita

FIGURAS PRAZENTEIRAS

Valério Mesquita*

01) Semblante compenetrado, andar compassado, sobraçando uma pasta elástica com profusos papéis, retornam senhores, o líder comunitário. Essa fauna começou a surgir ostensivamente no tempo de Vilma de Faria quando era secretária do trabalho. Com ela, o ofício foi reconhecido e atribuído o status de agente político dos bairros periféricos de Natal. O líder comunitário é um eterno portador de problemas. É o atravessador da relação política entre vereador e o prefeito ou deputado. Sempre é um critico contumaz do vereador para tomar o lugar dele. Lembro-me de uma líder comunitária do Amarante, São Gonçalo. Certa vez, convidou-me para uma reunião noturna a qual estariam presentes cerca de cinquenta pessoas. E lá fui garimpar votos. Deparei-me com uma armadilha que me deu uma exata dimensão do trabalho do líder comunitário. Ela havia passado toda a manhã e à tarde, de casa em casa, recolhendo recibos de água e luz, além de receitas médicas e exames, anunciando que à noite um deputado viria ajudar a quem precisasse. Desolado e descrente fitei-a na reunião e ala estava de pé impassível, altiva, consciente que havia cumprido com o seu olímpico dever. A Assembleia e a Câmara Municipal de Natal estão infestadas de lideres comunitários. A pasta elástica que pode ser azul, amarela, verde é o prefixo indefectível que vale mais do que a identidade do ITEP. Abrir uma pasta de um líder é travar contato tópico, tático e até utópico com o mundo mágico e profundo da periferia ululante. É preciso que se institua logo no calendário de eventos o dia do líder comunitário a ser celebrado no Arena das Dunas porque a profissão é vasta e sempre existirá, enquanto não faltar uma pasta elástica que seja azul, verde ou amarela.
02) Revil Alves, caicoense da gema, não é apenas um diligente advogado mas um esforçado repórter principalmente quando se revela a sua frente uma tragédia ou um fato importante digno de um furo de reportagem. Assim aconteceu, certa vez, no aeroporto Augusto Severo quando lá estava em missão de receber um amigo que chegaria do sul maravilha. A sua atenção, ao chegar, foi logo dirigida para a pista de pouso de onde emergia uma cortina espessa de fumaça além de intensa movimentação de ambulâncias e pessoal de socorro que acudia inúmeras pessoas estendidas ao solo. Curiosos espreitavam assustados a mobilização sincronizada de veículos e gente que deixavam uma funda impressão de pavor. Mas, o faro do repórter ali perto de tudo não poderia jamais deixar passar nada desapercebido. De imediato, ligou o seu celular para a fiel rádio de Caicó a fim de informar, em primeiríssima mão, toda a catástrofe que se abatia sobre o aeroporto internacional Augusto Severo. Já na ponta da linha, em cadeia com a emissora, o intrépido Revil foi narrando detalhadamente todos os movimentos, o número de corpos estendidos, o avião sinistrado, a paralisação dos voos e o medo que envolvia todos os presentes. A essa altura, o Seridó já estava dominado pelo silêncio, ou melhor: “um silêncio de morte”. Ainda no auge da narração, Revil foi empalidecendo e embargando a voz, ao constatar, que tudo o que vira e informara não passava de uma simples simulação: um treinamento de emergência do Infraero. O nosso Revil desligou o celular que fez parecer a desculpa “a linha caiu”. Olhou ao redor para não ser notado e decolou ligeiro sem escalas com destino a Natal, de onde, ainda hoje repete, “não deveria ter saído”.


(*) Escritor. 

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