FIGURAS PRAZENTEIRAS
Valério Mesquita*
01) Semblante
compenetrado, andar compassado, sobraçando uma pasta elástica com profusos
papéis, retornam senhores, o líder comunitário. Essa fauna começou a surgir
ostensivamente no tempo de Vilma de Faria quando era secretária do trabalho.
Com ela, o ofício foi reconhecido e atribuído o status de agente político dos
bairros periféricos de Natal. O líder comunitário é um eterno portador de
problemas. É o atravessador da relação política entre vereador e o prefeito ou
deputado. Sempre é um critico contumaz do vereador para tomar o lugar dele.
Lembro-me de uma líder comunitária do Amarante, São Gonçalo. Certa vez,
convidou-me para uma reunião noturna a qual estariam presentes cerca de
cinquenta pessoas. E lá fui garimpar votos. Deparei-me com uma armadilha que me
deu uma exata dimensão do trabalho do líder comunitário. Ela havia passado toda
a manhã e à tarde, de casa em casa, recolhendo recibos de água e luz, além de
receitas médicas e exames, anunciando que à noite um deputado viria ajudar a
quem precisasse. Desolado e descrente fitei-a na reunião e ala estava de pé
impassível, altiva, consciente que havia cumprido com o seu olímpico dever. A
Assembleia e a Câmara Municipal de Natal estão infestadas de lideres
comunitários. A pasta elástica que pode ser azul, amarela, verde é o prefixo
indefectível que vale mais do que a identidade do ITEP. Abrir uma pasta de um
líder é travar contato tópico, tático e até utópico com o mundo mágico e
profundo da periferia ululante. É preciso que se institua logo no calendário de
eventos o dia do líder comunitário a ser celebrado no Arena das Dunas porque a
profissão é vasta e sempre existirá, enquanto não faltar uma pasta elástica que
seja azul, verde ou amarela.
02) Revil Alves,
caicoense da gema, não é apenas um diligente advogado mas um esforçado repórter
principalmente quando se revela a sua frente uma tragédia ou um fato importante
digno de um furo de reportagem. Assim aconteceu, certa vez, no aeroporto
Augusto Severo quando lá estava em missão de receber um amigo que chegaria do
sul maravilha. A sua atenção, ao chegar, foi logo dirigida para a pista de
pouso de onde emergia uma cortina espessa de fumaça além de intensa
movimentação de ambulâncias e pessoal de socorro que acudia inúmeras pessoas
estendidas ao solo. Curiosos espreitavam assustados a mobilização sincronizada
de veículos e gente que deixavam uma funda impressão de pavor. Mas, o faro do
repórter ali perto de tudo não poderia jamais deixar passar nada desapercebido.
De imediato, ligou o seu celular para a fiel rádio de Caicó a fim de informar,
em primeiríssima mão, toda a catástrofe que se abatia sobre o aeroporto
internacional Augusto Severo. Já na ponta da linha, em cadeia com a emissora, o
intrépido Revil foi narrando detalhadamente todos os movimentos, o número de corpos
estendidos, o avião sinistrado, a paralisação dos voos e o medo que envolvia
todos os presentes. A essa altura, o Seridó já estava dominado pelo silêncio,
ou melhor: “um silêncio de morte”. Ainda no auge da narração, Revil foi
empalidecendo e embargando a voz, ao constatar, que tudo o que vira e informara
não passava de uma simples simulação: um treinamento de emergência do Infraero.
O nosso Revil desligou o celular que fez parecer a desculpa “a linha caiu”.
Olhou ao redor para não ser notado e decolou ligeiro sem escalas com destino a
Natal, de onde, ainda hoje repete, “não deveria ter saído”.
(*)
Escritor.
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