NESSA ELEIÇÃO
Valério Mesquita*
Nessa eleição não sou candidato nem dono do
palanque. Desarmei os meus presságios, desamei os frutos e procuro desviver o
tempo, como na paráfrase da poeta Orides Fontela do Eclesiastes.
Sou o eleitor anônimo perdido na passeata que vai de
Igapó ao Conjunto Soledade II. Misturo-me com o povo. Danço a lambada e o frevo
que desce e sobe ruas acima. Não carrego a bandeira dos candidatos mas o gosto doce
da aventura da noite dos comícios, das mulheres balançando os bustos e os
quadris, como nas pesquisas eleitorais que sobem e despencam. No circuito
ciclístico da Grande Natal, pedalo bem perto da bicicleta da morena do short
branco que faz todo eleitor mudar de partido.
Sou o incógnito
cidadão que escuta o orador no palanque sob a penumbra da marquise da padaria
mais próxima. Sou o decifrador de caracteres, das reações fisionômicas do homem
do povo. Pastoreio as estrelas sobre a multidão sôfrega em desvarios pela
hegemonia dos seus eleitos. A paz cósmica de ser livre e isento me apascenta.
Nessa eleição eu quero o flerte da mulher jovem. Ah!
O amor adolescente. A força misteriosa do encanto das meninas de branco,
namoradas. Os apelos dos mais sábios e sadios ingredientes oníricos e
eleitorais que não agridem o código: música, política e paquera. Sem interagir
os três não há palanque, nem povo, nem discurso. Sou
o eleitor do showmício, dos acordes do Cavaleiros do Forró, Ferro na Boneca, Aviões
do Forró, porque a música e a dança vestem o voto do candidato.
Não há necessidade de se esmerar, hoje em dia, na
palavra rebuscada, na oratória responsável e flamejante. Tudo é fátuo, fútil e
fácil. Por isso, nessa eleição eu posso entrar sem ser visto na casa pobre de
qualquer um. Conhecer as preferências de todos como se fosse o pároco da igreja
onde se confessam. O anônimo e o descomprometido vêem e escutam melhor do que
os marqueteiros. Nessa eleição não sou o farmacêutico que despacha a receita do
eleitor ou o comerciante que lhe entrega a cesta básica. Mas sou o passageiro
das estações da via crucis da eleição. Acompanho o cortejo, me integro e me
divirto no calendário das passeatas, dos comícios para ver a juventude, a
garota magra e bonita que agita a enorme bandeira dos presidenciáveis nas
esquinas das avenidas por dez reais ao dia e que expressam, em si, o melhor
discurso contra o desemprego.
Enfim, nessa eleição, busco a claridade do
sentimento popular, a qual, muitas vezes, não provém do palanque iluminado dos
condôminos. No mais, quero ser aquele eleitor encachaçado, alegre, ritmado,
irresponsável por necessidade, até porque campanha eleitoral é festa e se não
tiver mulher não tem graça. Depois disso, só o grito de guerra: “É hoje que só
chego amanhã!”.
(*) Escritor.
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