segunda-feira, 21 de dezembro de 2015


NESSA ELEIÇÃO

Valério Mesquita*

Nessa eleição não sou candidato nem dono do palanque. Desarmei os meus presságios, desamei os frutos e procuro desviver o tempo, como na paráfrase da poeta Orides Fontela do Eclesiastes.
Sou o eleitor anônimo perdido na passeata que vai de Igapó ao Conjunto Soledade II. Misturo-me com o povo. Danço a lambada e o frevo que desce e sobe ruas acima. Não carrego a bandeira dos candidatos mas o gosto doce da aventura da noite dos comícios, das mulheres balançando os bustos e os quadris, como nas pesquisas eleitorais que sobem e despencam. No circuito ciclístico da Grande Natal, pedalo bem perto da bicicleta da morena do short branco que faz todo eleitor mudar de partido.
Sou o incógnito cidadão que escuta o orador no palanque sob a penumbra da marquise da padaria mais próxima. Sou o decifrador de caracteres, das reações fisionômicas do homem do povo. Pastoreio as estrelas sobre a multidão sôfrega em desvarios pela hegemonia dos seus eleitos. A paz cósmica de ser livre e isento me apascenta.
Nessa eleição eu quero o flerte da mulher jovem. Ah! O amor adolescente. A força misteriosa do encanto das meninas de branco, namoradas. Os apelos dos mais sábios e sadios ingredientes oníricos e eleitorais que não agridem o código: música, política e paquera. Sem interagir os três não há palanque, nem povo, nem discurso. Sou o eleitor do showmício, dos acordes do Cavaleiros do Forró, Ferro na Boneca, Aviões do Forró, porque a música e a dança vestem o voto do candidato.
Não há necessidade de se esmerar, hoje em dia, na palavra rebuscada, na oratória responsável e flamejante. Tudo é fátuo, fútil e fácil. Por isso, nessa eleição eu posso entrar sem ser visto na casa pobre de qualquer um. Conhecer as preferências de todos como se fosse o pároco da igreja onde se confessam. O anônimo e o descomprometido vêem e escutam melhor do que os marqueteiros. Nessa eleição não sou o farmacêutico que despacha a receita do eleitor ou o comerciante que lhe entrega a cesta básica. Mas sou o passageiro das estações da via crucis da eleição. Acompanho o cortejo, me integro e me divirto no calendário das passeatas, dos comícios para ver a juventude, a garota magra e bonita que agita a enorme bandeira dos presidenciáveis nas esquinas das avenidas por dez reais ao dia e que expressam, em si, o melhor discurso contra o desemprego.
Enfim, nessa eleição, busco a claridade do sentimento popular, a qual, muitas vezes, não provém do palanque iluminado dos condôminos. No mais, quero ser aquele eleitor encachaçado, alegre, ritmado, irresponsável por necessidade, até porque campanha eleitoral é festa e se não tiver mulher não tem graça. Depois disso, só o grito de guerra: “É hoje que só chego amanhã!”.

(*) Escritor.

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