segunda-feira, 26 de outubro de 2015



A cidade mágica de Luís Carlos Guimarães
Lívio Oliveira – advogado público e poeta
A condição primeira de Luís Carlos Guimarães sempre foi a que assumira como poeta. Sempre foi a de ser poeta. Poeta total. Luís Carlos pensava poesia, respirava poesia, bebia e comia poesia, dormia e acordava poesia, sonhava poesia. Era ele mesmo poeta e poema, simbiose perfeita. E fazia com que todos vissem o mundo a partir de sua lente multifocal e multicolorida, surgindo cores de suas palavras rasgadas ao peito. Cores de poemas esculpidos. Cores de poesia cantada e que criava asas e sobrevoava a cidade. Nada, nenhuma coisa ou ser existentes restavam sem as cores poéticas e as claves de sol com que L.C.G transformava o mundo em arte poética, visual, musical. O mundo inteiro virava um livro de poemas, um roseiral, um mar Atlântico refletindo a luz da lua à noite e do sol nos dias intensos. O mundo ao seu redor ficava assim: mais rico, mais digno, mais feliz.
Talvez, seja por isso que o seu recente e póstumo livro, “Natal, tempo de uma cidade feliz” (Oito Editora, 2015), com organização, seleção e preparação de texto por seu filho Ricardo Luís Lins Guimarães, também já saudoso, seja assim intitulado, tendo a marca da felicidade presente e destacada. Talvez, porque Luís Carlos tenha sabido emprestar àqueles textos em prosa as mesmas cores poéticas que aprendeu a combinar em sua paleta mágica, para destinar generosamente aos personagens todos ali retratados, que já continham também especial colorido imanente. Mais cores e cores e novos desenhos surgindo. E mais notas e notas musicais fazendo das canções guimarantinas as canções do universo todinho em volta. A felicidade, como estado de espírito, marcadamente presente.
É que Luís Carlos Guimarães recriava, a seu modo, as pessoas e os mundos – o externo e o interno – macrocosmos e microcosmos. As cidades se transformavam em cidades mágicas, com mais de um sol, mais de uma lua, irmãs e irmãos múltiplos. Era a arte o alimento. A palavra embebida nos mais puros preparados estéticos. Luís era um esteta. E um sonhador. Um idealista, que via os azuis e a alvura das brisas marinhas. Via e ouvia os ventos. Conversava com as dunas. Sentia os lençóis noturnos e seus cetins cobrindo transparentemente as seduções solares da cidade. Luís via e ouvia e sentia e dizia não apenas uma cidade, mas várias em uma só. Em um sol e debaixo dele, as pessoas circulando e vivendo as horas mais plenas. Daí a escolha de uma cidade humana, cidade das gentes, cidade ideal, feliz – magias e amorosidades – em pleno centro e arredores. As cidades vivas pertenciam a Luís Carlos Guimarães, que nelas distribuía seus amigos e seus poemas em carne e voz-palavra: a canção poética espraiada.
Natal foi uma das cidades mágicas vividas por Luís Carlos. Uma cidade bebida em goles sôfregos e apaixonados: vinho bom. E aqui ele viveu os amigos. Isto mesmo: ele viveu os amigos. Transitivo direto, assim mesmo. E intransitivo, porque o sentimento neles e nele se perenizou. Ganhou deles vida. Destinou-lhes vida. Soube ser amigo amoroso. Soube ser mestre dos amigos e com eles aprender. Assim fez, ao revelar tantos novos poetas, revelando a poesia, provocando-lhes o brotar. Pois é. Poesia. Ela brotava sempre em suas mãos. Isso o que o motivava em todos os elevados gestos. Em todos os dicionários e em todas as línguas, o nome poético de Luís certamente aparecia, mesmo que intraduzível, porque a beleza nem sempre se traduz, apenas se sabe existente. E as tintas belas e suaves, suas aquarelas, palavras que amavam os papéis sobre os quais residiam e residem. Elas surgiam. Palavras eternas, duradouras, como as que ganhou e construiu nos seus instantes com  Navarro, Dorian, Berilo, Glorinha, Myriam, Thomé. Também com Assis, Ney, Albimar (todos do mar, Marinhos), Diógenes, Alvamar, Túlio, Nelson, Ticiano, Diva, Woden, Sanderson, Vivi...
Viveu Luís Carlos todos esses e muitos outros personagens. O livro mostra isso. E viveu sobre o tempo e as ruas desta cidade diferente e fortemente ensolarada chamada Natal. E lhe fez poemas. E lhe fez prosa que também era poesia. Transformou a cidade num monumento poético. Transformou Natal num país. Enquanto sua palavra durou e enquanto sua palavra durar. E durará. E será. Sempre.

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