É PRECISO DESARMAR OS PRESSÁGIOS
Valério Mesquita*
O conhecimento e as
razões dos fatos da vida pública nós já temos. Mas, qualquer pessoa que procure
entender é suspeito de estar contra eles. Não temos nenhuma idéia preconcebida
sobre as pessoas e as coisas que nos rodeiam. Não serão as versões de terceiros
que irão impedir que tenhamos nossa própria opinião. O orçamento estadual para
2016, por exemplo, é tão convulsivo que não impediu que fosse desligado o
redutor de ansiedades. Mas é isso mesmo, em estado depressivo foram criadas
sinfonias, poemas comoventes e pinturas imortais. Da maneira como o legislativo
concebeu e aprovou desembocou em questionamentos. Virou para o executivo
potiguar um monólogo hameleteano: ser e não ter. Passamos a compreender que
orçamento público é metamorfose. São constituídos de números cheios de
contradições.
Não vamos exagerar a
impressão de parecer medíocre, trivial, para ser popular. Quem absolve o
político não é o povo, é a confissão. Na complicada arte de governar ser
natural é a mais difícil das poses. Nenhum político e/ou empresário são
suficientemente ricos para comprarem o seu passado. Quantos não podem dizer
“nada anseio, nada temo – sou livre”. Por isso, é que definem dinheiro como
adubo: só serve quando espalhado. O escritor Oscar Wilde colocou na boca de um
rico, a seguinte frase: “não quero ir para o céu. Nenhum dos meus amigos está
lá”. Ora, como no Jardim do Éden, Franz Kafka disse que “a mediação da serpente
foi necessária. O mal pode seduzir o homem, mas não pode se transformar em
homem”. Delírio kafkeano, delírio, apenasmente...
O homem social hoje virou
ambiguidade ficcional. Previna-se o leitor: não confundir amizade social com
solidariedade humana. São manifestações caracterológicas do vivente
completamente heterogêneas. O egoísmo, a acomodação, modificados pelo tom da
luz reinante destruíram o sentimento cristão do mundo. O homem cresce, vive e
morre numa jaula, limitado às imposições de sua vida miúda, repleta de
frustrações e às circunstâncias. Há pessoas que pensam que não vão morrer
nunca. Principalmente os que são ricos ou que, pelo menos, pensam. Assim
imaginam muitos empresários, políticos, socialites, médicos, usineiros, juristas
e outros nomes, renomes e pronomes suspeitos.
Às vezes, diante do
infortúnio alheio, ancoram suas amarras no mais profundo silêncio e na mais
abominável indiferença. A postura ante o mundo é de desamparo e desalento. Não
há lógica própria nessa conduta centrada unicamente na anormalidade do desvio
comportamental porque a amizade virou interesse, esbulho, vantagem, lucro.
E eu pensava nesse
turbilhão do tempo, dos modismos, que o exercício da amizade fosse contínuo,
mas é tão “imortal” quanto a hipocrisia de acreditar nos homens que integram as
instituições públicas e privadas (culturais, políticas, empresariais etc). Daí
deduzir que toda celebridade no Rio Grande do Norte quando não é célere e
celerada. A corrosão cotidiana da busca pelo dinheiro e pelo poder enferruja
com rapidez as “glórias e grandezas” de alguns profissionais que se julgam
donos do mundo, quando pensávamos justos e coerentes. As mutações históricas
dos valores da personalidade humana, ao que me parece, foram provocadas pela
“revolução” dos costumes sociais, principalmente o comodismo, a apatia pelo
semelhante, o medo de morrer, as fobias e a falta de religiosidade.
Aí, instaura-se um jogo
de buscas. O coração desumanizado do selvagem habitante da cidade, que segrega
o próximo jamais conhecerá qualquer modalidade de amor, principalmente na noite
sem face e derradeira do ataúde, porque em vida foi ausente, insensível,
reduzido à condição de bicho. Esse será o calvário do insensato, do que utiliza
a amizade como negócio, como moeda de troca. Vai vagar como Caim na noite
gelada do tempo sem jamais achar abrigo. Isso tudo porque desamou os frutos e
deixou prevalecer os presságios.
(*) Escritor.
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