segunda-feira, 27 de julho de 2015

Tomislav R. Femenick (www.tomislav.com.br)
vinheta173
O Padre Jahannes Simon Vondel tinha terminado de rezar as vésperas, a oração do final da tarde e começo da noite, quando o telefone da sacristia da pequena igreja, da pequena cidade do interior, tocou estridentemente. Era a enfermeira de Dona Lucrécia, viúva de Pedro Correia Fernandes, rico proprietário e chefe político, recentemente falecido. Queria que ele fosse urgente ao casarão, pois a doente tinha piorado muito nas últimas horas e pedido para se confessar, mas só com o Padre Vondel.
Mesmo com quase setenta anos, o padre holandês cultivava o hábito de andar de bicicleta, até porque as parcas receitas da paróquia não lhe permitiam o luxo de um carro. Pedalando pelas ruas mal iluminadas, ele ia reavivando suas lembranças sobre Dona Lucrécia. Há trinta anos, quando ele chegou na cidade, Lucrécia era a grande dama local. Promovia as melhores festas, era patronesse de obras beneméritas e mãe de somente uma filha pequena. Hoje a filha era a Dra. Amélia Fernandes Oliveira, casada com o Dr. Paulo Dutra Oliveira, ambos médicos e donos do hospital local. Seu Pedro Correia tinha morrido misteriosamente e a viúva, embora tratada permanentemente pelo genro, vivia em uma cama e tinha uma enfermeira e uma empregada como únicas companhias, naquela residência tão grande.
Quando o padre chegou ao sobrado, a porta estava aberta e as luzes da escada acesas. Pensando que estavam a sua espera, subiu em direção ao quarto da dona da casa e encontrou uma cena surpreendente e horripilante. O recinto estava iluminado apenas por duas grandes velas, mas dava para se ver um pentagrama desenhado na parede, atrás e acima da cabeceira da cama, e uma grande quantidade de sangue esparramado pelo chão. O corpo da enfermeira estava aos pés da cama, com a garganta cortada, e o cabo de uma faca de prata se projetava do abdome de Dona Lucrecia. Tudo levava a crer que teria havido um ritual macabro, no qual as duas teriam sido sacrificadas. Foi ainda meio desorientado que o reverendo ligou para a polícia.
O delegado da cidade era um advogado que não mais exercia a profissão e devia a sua nomeação a Pedro Correia Fernandes. Talvez o delegado tenha sido o maior amigo do casal. Era o padrinho de Amélia; padrinho de batismo, de formatura e de casamento. Até brincavam: se ele não fosse o único tri-padrinho do mundo, com certeza era o único da cidade. Pouco depois de o delegado chegar ao casarão, a cidade toda já sabia da notícia e para lá se dirigia. A filha, desesperada, estava sendo consolada nos braços do Padre. Dr. Paulo, seu marido, esbravejava contra “esses fanáticos” e dizia que o crime somente poderia ser obra do Sebastião das Cebolas, o Pai de Santo local. Sebastião foi preso e transferido para uma delegacia da capital, pois se ficasse na cidade seria linchado.
Pelos outros presos, o Pai de Santo ficou sabendo que o escrivão da delegacia era o Pereira, aquele que já tinha resolvido alguns casos desconcertantes. Conseguiu falar com ele e expor seu problema: estava preso, porém não era o autor do crime. Pereira conhecia o Padre Vondel e Dona Lucrecia, pois era de um lugarejo próximo, e resolveu investigar. Foi rever o reverendo holandês e a cidade. Por cortesia foi fazer uma visita ao delegado, oportunidade em que se inteirou dos detalhes e do andamento das investigações. A enfermeira era de fora e tinha sido indicada pelo genro da doente. O delegado já tinha certeza que Sebastião das Cebolas não tinha nada a haver com o caso; só o mantinha preso para evitar que o povo o linchasse.
Foi ver a cena do crime e visitar o Padre Vondel, quando soube que Dona Lucrecia nunca havia sido muito religiosa, mas, à medida que a doença progredia, ela rezava mais e mais e, às vezes, ia assistir missa, mesmo que para isso fosse preciso ir de cadeira de roda. Porém nunca tinha se confessado. O Padre também achava que o Pai de Santo não tinha nada com a história. Conversando com outras pessoas, soube que o inventário de Pedro Correia Fernandes ainda não tinha sido realizado e que a saúde financeira do hospital da filha e do genro ia muito mal. Conversando com a velha Manuela, empregada do casarão dos Fernandes há mais de quarenta anos, inteirou-se de um segredo: Dona Lucrecia, logo que se casou, teve um caso com um advogado que tinha chegado na cidade e que hoje é o delegado. Desse caso nasceu Amélia. Sentindo a aproximação da morte, talvez tenha sentido a necessidade de confessar o pecado.
Daí, foi relativamente fácil resolver o caso. Foi só responder duas perguntas. Quem ganhava com a morte da senhora? Sua filha e seu genro, que estavam praticamente quebrados, com as dívidas do hospital. Quem perderia se fosse provado que ela não era filha do velho Pedro? Os mesmo, pois Pedro e Lucrecia eram casados em separação de bens. Foi só apertar o genro. No começo negou, depois confessou tudo. Tinha mandado fazer exame de DNA da mulher e do delegado (atestaram pai e filha), tinha mandado matar o sogro e, ele mesmo, matou a sogra e a enfermeira. Primeiro a sogra e depois a enfermeira, após força-la a ligar para o padre.

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