Marcelo Alves
Sobre Ihering
Há duas semanas, alguns devem estar lembrados, conversamos aqui sobre o jurista alemão Friedrich Carl von Savigny (1779-1861). Aproveitando a deixa, vamos conversar hoje sobre o também alemão Rudolf von Ihering (1818-1892), jurista que significou para o direito da segunda metade do século XIX, em termos de importância, o mesmo que Savigny significou para primeira metade (daquele século).
Nascido em uma família de juristas, em 1818, Ihering é natural de Aurich, no extremo noroeste da Alemanha, comuna à época pertencente ao antigo Reino de Hanôver. Iniciou seus estudos jurídicos, em 1836, na prestigiosa Universidade de Heidelberg. Estudou ainda em Göttingen, Munique e Berlim. Doutorou-se em 1844. Iniciou sua carreira como professor nesse mesmo ano, em Berlim, lecionando direito romano. Registra-se ainda que ele lecionou direito, sucessivamente, na Basileia/Suíça (1845), em Rostock (1846), Kiel (1849), Giessen (1851), Viena/Áustria (1868) e Göttingen (1872), onde, após lecionar e escrever por cerca de vinte anos, veio a falecer (em 1892).
A formação intelectual de Ihering, é importante que se diga, se deu em uma época em que o direito alemão se achava sob forte influência da chamada “Escola Histórica do Direito” (vide o artigo “Uma visão histórica do Direito”), que teve em Savigny, precisamente, o seu principal expoente. Ihering, muito embora influenciado na juventude por Savigny, se pôs em confronto com as ideias “historicistas”, descrevendo sua abordagem do direito como uma “moderna e científica” concepção da ancestral filosofia do direito natural, visando estabelecer, através do direito, uma sociedade mais justa.
Ihering escreveu copiosamente, deixando um legado que chega aos nossos dias.
Do seu longo período em Giessen, iniciado 1851 e que vai até sua ida para Viena em 1868, é sua obra prima da juventude, em quatro volumes, “O espírito do direito romano” (“Der Geistória des römischen Rechts auf den verschiedenen Stufen seiner Entwicklung”, 1852-1865”). Essa obra fundamental teve o desiderato de mostrar aquilo que de válido ainda se podia extrair, no tempo de Ihering, do monumental conjunto do direito romano. Nela, Ihering ainda revela sua filiação às ideias de Savigny, dos pandectistas à moda de Bernhard Windscheid (1817-1892) e, sobretudo, pela concepção da obra em si, de Georg Friedrich Puchta (1798-1846), o “pai” da famosa escola jusfilosófica denominada “Jurisprudência dos Conceitos” (filosofia que, mais tarde, Ihering iria também criticar).
Do seu badalado período em Viena, onde fez muito sucesso com suas aulas (atendidas não só por estudantes, mas também por figuras de proa da vida cultural, científica e política da capital do Império dos Habsburgos) e foi até feito nobre pelo Imperador Francisco José I (1830-1816), é seu livro mais conhecido: “A luta pelo direito” (“Der Kampf ums Recht”, 1872). Fruto de uma palestra dada na Universidade de Viena, escrito em tom quase panfletário, esse “livrinho” traduzido para dezenas de línguas (há uma recente edição da obra, de 2014, da editora Revista dos Tribunais/RT, fininha, em formato de bolso), aproximando o direito da sociologia, defende a ideia de que aquele (o direito), para se fazer valer e triunfar, necessita da energia e da luta dos sujeitos envolvidos; o direito visa à paz, mas se faz pela luta. Em linhas gerais, essa também é a tese defendida no igualmente muito conhecido “A finalidade do direito” (“Der Zweck im Recht”, 1877-1883), embora aqui já tenhamos uma obra do período de “madureza” de Ihering, construída em dois volumes, com metodologia jurídica sofisticada, apresentando o direito, convincentemente, como um instrumento para realização de finalidades.
De Ihering, segundo andei pesquisando, vale ainda a pena mencionar o seu “Direito da vida cotidiana” (“Jurisprudenz des taglichen Lebens”, 1870), o primoroso “Sério e o jocoso no direito” (“Scherz und Ernst in der Jurisprudenz”, 1884) e “A vontade na posse: crítica ao método jurídico reinante” (“Der Besitzwille. Zugleich eine Kritik der herreschenden juristischen Methode”, 1889).
E esses são apenas alguns exemplos da produção literária desse grande jurista ligado ao Brasil por intermédio do seu filho, o médico, antropólogo, zoólogo e professor Hermann von Ihering (1850-1930), naturalizado brasileiro, que por aqui morou e trabalhou, de 1880 a 1924, em renomadas instituições como o Museu Nacional (hoje da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e o Museu Paulista ou do Ipiranga (da Universidade de São Paulo), do qual foi fundador e primeiro diretor.
No mais, como registrado por Antonio Padoa Schioppa em “História do direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea” (edição da WMF Martins Fontes, de 2014, tradução de “Storia del diritto in Europa”), dentre os juristas do século XIX, Ihering foi “sem dúvida aquele que mais soube atrair a atenção de um público de intelectuais e de leitores bem mais amplo que o que costuma se aproximar das obras de direito. Isso se deve à peculiar atitude do autor em ressaltar com grande eficácia, desde o título de suas obras, os elementos que ligam os aspectos técnicos do direito aos valores e motivos metajurídicos, considerados e discutidos como fundamentais para compreender o mundo do direito”.
Bom, como se vê da leitura deste pequeno riscado, Ihering foi um prussiano genial.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador da República
Mestre em Direito pela PUC/SP
Doutorando em Direito pelo King’s College London - KCL
quarta-feira, 17 de junho de 2015
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