quarta-feira, 1 de abril de 2015



A exclusão dos incluídos

Francisco de Sales Matos
(Advogado. Prof UFRN)

Caríssimos leitores, da última vez que por aqui passei, submeti às vossas generosas paciências a leitura do tema: “A regularização fundiária de interesse social”. Desta feita, trago à reflexão algo parecido, quiçá complementar, que decorre de verdadeiro apelo de humildes comerciantes (comércio/indústria informal dos micro e pequenos empreendedores populares) a este escriba, porque se dizem compelidos ao encerramento de suas atividades, pelo fato de ocuparem espaços públicos dito de modo precário, irregular ou informal. Essas atitudes advém de autoridades públicas, constituídas, que querem tirar de cena os atores dessa realidade social, na verdade partes da urbanização excludente das cidades brasileiras. Apenas para ilustrar uma dessas constrangedoras situações, noticiamos o que está sendo vivenciado pelos comerciantes do velho e sempre bom “Mercado Público de Ceará Mirim”. Ali a Prefeitura Municipal notificou todos os comerciantes para desocuparem seus boxes, sob o pálio de que os estavam ocupando ilegalmente.

O fato é que o episódio protagonizado pelo poder público municipal, dizem-no que de modo autoritário, repercutiu como uma tentativa de jogar na lata do lixo uma história, uma tradição, uma cultura, tudo em proveito de uma idiossincrasia. A mesma atitude, sob o mesmo argumento, vem sendo praticada em Natal, nos arredores da Cidade Satélite, onde a Prefeitura Municipal notificou donos de trailers, para desocuparem os espaços fundiários que mantém há 30 anos, aproximadamente. Ora, se esses cidadãos estão exercendo as suas atividades comerciais, gerando emprego e renda, etc, por que somente agora, depois de tanto tempo, a Prefeitura vem enunciar que estão ocupando aqueles espaços indevidamente? E se os dizem irregular por que lhes cobravam os tributos inerentes? Bom, já que perguntar não ofende, por que retirar de um espaço público aqueles que lhe estão dando funcionalidade se não há um projeto para o uso integral dele? E mesmo que haja não é possível harmonizá-lo com uma proposta de caráter urbanístico e produtivo?

Bom, quero deixar claro que não faço apologia a invasões. Mas, não posso olvidar que uma invasão com ancianidade superior a um ano e um dia, em imóvel privado, já legitima uma posse; e, em um bem público, se exercida essa ocupação com função social e boa-fé, mesmo presumida, com muito mais razão. Isto não significa dizer que o Estado (lato sensu) não possa agir para desocupar o bem que lhe pertence, mesmo porque a ocupação não gera direito à usucapião; e, ainda, se o exercício da ocupação não se houver com funcionalidade social e econômica, não gera nem mesmo direito à regularização fundiária. Mas, o Estado brasileiro que é pródigo em prover com substanciosos subsídios (que o diga o BNDES) empreendimentos dos mais diversos matizes, desde fábricas de automóveis ao agronegócio, não pode negar a um micro empresário familiar produtivo, o direito de assentar-se em área pública, pelo só fato de não haver acessado a ela mediante licitação.

Enfim, o tempo convalida a posse e a ocupação. Por isto, o Estado haverá de preservar a cidadania ancorado nos princípios fundamentais da função social, da justiça social e da dignidade humana, sendo-lhe defeso privar os bens de um modo geral, e os seus particularmente, sem um plano concreto de destinação socialmente relevante. O simples argumento de obedecer a Lei de Licitações, para excluir as ocupações legitimamente operadas em bens públicos, não haverão de ser compreendidas à luz da nova dogmática que inclui a regularização fundiária, sobretudo a de interesse social, como alça jurídica dos direitos dos menos favorecidos, e a um só tempo de afirmação da dignidade da pessoa humana.

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