Demolir o Reis Magos é demolir a [H]istória e a [P]oesia
Lívio Oliveira [ Advogado público e poeta - livioalvesoliveira@gmail.com ]
No último sábado, exatamente quando eu mexia nos meus alfarrábios e encontrava um texto que escrevi na imprensa potiguar em março de 2006, havia uma interessante movimentação de ativistas e simpatizantes da causa do sofrido Hotel Internacional Reis Magos, ícone arquitetônico modernista da nossa combalida Natal, hoje um prédio sujeito a possível (e indesejada) demolição. Bateu-me, naquele momento, passando os olhos pelo recorte de jornal amarelado, uma vontade enorme de engrossar as fileiras do movimento coletivo intitulado “[R]existe/Resiste Reis Magos”, amplamente divulgado nas redes sociais. Infelizmente não compareci ao evento da Praia do Meio, mas soube que foi repleto de música e arte em geral, o que condiz com uma boa iniciativa lúdico-poética; mas que, acredito além disso, tem sido e será tratada com extrema responsabilidade, pela causa a ser defendida, a do pertencimento cidadão, exercício crítico e firme da defesa do patrimônio material e imaterial de todos nós, natalenses, além dos demais amantes desta terra banhada pelo Atlântico e pelo Potengi.
Para se ter uma ideia de como isso me parece absurdo – essa tal demolição – leio o título do meu texto de nove anos atrás e vejo que ali já havia o alerta que fizeram a questão de ignorar: “Hotel Reis Magos: um absurdo pode acontecer”. Ora, àquela altura (e bem antes), todos já sabíamos que diversas medidas se faziam urgentes e necessárias para a manutenção mínima das condições do prédio, para que não viessem, após muitas promessas, quase uma década após o meu texto e duas décadas depois da assunção do prédio por empresários, usar o argumento, o pretexto de que as estruturas do prédio estão definitivamente abaladas, inclusive porque isso requer provas irrefutáveis, que não sei se foram apresentadas de maneira cabal e convincente. Preciso ler e ver para crer. Ademais, se há degradação, quem se responsabiliza por ela ter se dado? Só não se pode é negar o valor do bom e velho hotel. Isso, por si só, já é demolir.
Defender a resistência dos nossos bens ambientais, históricos, artísticos, culturais, sociais-simbólicos, é obrigação, é dever de todos os que possuem a consciência nobre da existência vibrante em torno e no centro de princípios civilizatórios que nos protegem da barbárie (vale lembrar o Museu de Mosul e as imagens de poucos dias atrás). A meu ver, a ilegítima atuação sobre um bem público, mesmo que sob o manto de uma pretensa legalidade – o que sempre se sujeita a confrontos hermenêuticos-interpretativos que sopesem valores, princípios, constitucionalidade – sem a ouvida adequada da população (o que deverá se dar através de fóruns apropriados), pode vir a macular o uso social da propriedade, corolário da Carta Cidadã de 1988. E é claro que esse não é, não pode ser, não se pode aceitar que seja o desejo de empreendedores e/ou administradores e políticos de nossa terra.
Muito já se perdeu na nossa Capital e no nosso Rio Grande do Norte em face do desprezo a valores mais altos da cidadania. E muito do nosso patrimônio arquitetônico, destacadamente. Às vezes penso que os nossos descendentes somente conhecerão a Natal de algumas décadas atrás por intermédio das fotos de Jaecí, hoje veiculadas nas redes sociais. Espero estar errado. Espero que as autoridades façam algo a tempo e modo, para que esse absurdo não se perpetue. Não consigo imaginar a Praia do Meio sem as sinuosidades do belo prédio, sem poder visualizar a sua memória histórica a não ser em pensamento ou consultas a documentos e fotos, ou mesmo às lembranças do Marechal Porpa. Quero escrever poesia, mas quero que esteja lá a inspiração, sólida e presente em suas curvas sensuais, diante de mim, diante dos meus conterrâneos, diante dos meus olhos, diante do mar.
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