O DAAC SOB JULGO DO ARBÍTRIO IMPLANTADO COM O GOLPE MILITAR DE 1964
Juan de Assis Almeida
O ano de 1964 representou para a historiografia do movimento estudantil e da própria UFRN a consagração do Diretório Acadêmico Amaro Cavalcanti (DAAC) enquanto espaço de luta e representatividade do corpo estudantil de Direito-UFRN. As experiências dos anos anteriores faziam das eleições do DAAC espaço de intenso divisionismo e de profundas e apaixonadas discussões. Nessa época, exercia a presidência do DAAC o acadêmico Silvio Procópio.
As disputas hegemônicas presentes no contexto internacional e local, notadamente a URSS versus EUA e Aluízio Alves versus Dinarte Mariz, também reverberavam nos confrontos estabelecidos no DA – Faculdade de Direito. Registra-se que grupos políticos com posicionamentos ideológicos conservadores e tradicionais se sobressaiam em tais disputas, mas não diferente, pautavam suas ações no enfrentamento dos problemas universitários e da classe pobre e trabalhadora do país.
Neste período, várias alunas e alunos do Curso se inseriam em projetos educacionais de emancipação política e social, como nas ações de alfabetização pelo sistema Paulo Freire no interior do RN e na famosa campanha de alfabetização de crianças e adultos “De pé no chão, também se aprende a ler” coordenada pelo então prefeito de Natal, Djalma Maranhão. Além do Serviço Universitário de Ajuda fraterna, ação desenvolvida por estudantes de vários cursos da UFRN em comunidades sem assistência do poder público como Mãe Luiza, Rocas e Santos Reis.
Como as ações se baseavam na emancipação, empoderamento e conscientização política das classes historicamente marginalizadas da cidade, quando do Golpe, foram logo chamadas de atividades “comunistas” ou como os órgãos de repressão da época falavam “comunizantes” numa tentativa de justificar seu aniquilamento e perpetrar violações e perseguições político-ideológicas. Setores pró-golpe em Natal encontraram espaço perfeito para suas medidas de mitigação do protagonismo estudantil e florescimento cultural ora vivenciado.
Pois bem, o Golpe de 1964 operou-se no dia 1º de abril, apesar dos acontecimentos de deposição do presidente João Goulart terem ocorridos no eixo sul-sudeste do país, os efeitos foram imediatamente sentidos nesta capital. A cidade por ser ainda muito pequena, acordara tenebrosa!! A população atônita via soldados com metralhadoras e tanques desfilando ostensivamente pelas ruas e aos poucos as notícias vinham chegando por meio da rádio Mayrink Veiga. Os natalenses perplexos, trancafiados em suas casas, ouviam as informações…
Os jornais se viram apreensivos com os acontecimentos, um deles chegou a fazer duas capas, uma a favor do golpe e outra contra, até que a situação se delineasse para um dos dois lados, findando apoio ao golpe, quando declarado pelo Governador do Estado, Aluízio Alves. De lado oposto, se comportou o prefeito Djalma Maranhão, ao reafirmar sua filiação ao presidente deposto, instalando na sede da prefeitura de Natal o chamado “QG da legalidade e resistência”, até ser violentamente retirado do Palácio Felipe Camarão e preso no 16 RI.
Entre os dias 01 a 15 de abril de 1964 uma série de ações repressivas seriam visualizadas no DAAC, nos demais diretórios e contra os estudantes, a seguir algumas delas: Invasão da sede do RU-DCE por tropas do Exército chefiadas pelo Major Estevam Mosca, com a finalidade de dissolver assembleia estudantil extraordinária; prisão dos estudantes de direito Marcos Guerra, José de Ribamar Aguiar e Pedro Cavalcanti (participantes do projeto de Paulo Freire); proibição de reuniões estudantis de caráter “político ou assemelhados” nas unidades universitárias e a cassação do mandato do presidente do DAAC, aluno Silvio Procópio, com a nomeação do interventor Carlos Borges de Medeiros (aluno), por determinação da General Omar Chaves da Guarnição Militar de Natal.
Outros episódios se seguiram como perseguições às alunas de Direito Terezinha Braga e Berenice Freitas; prisões dos alunos Eurico Reis e dos ex-alunos e membros do DAAC, Evlim Medeiros, Hélio Vasconcelos e Paulo Frassinete; instalação da Comissão do Estado de Inquérito, Comissão de Investigações da UFRN e o Inquérito do 7º Regimento de Obuses para apuração de crimes contra “a segurança nacional, o regime democrático e a probidade da administração pública” e por “condutas subversivas” de alunos da UFRN; prisão do aluno Nei Leandro de Castro pela autoria de publicações literárias consideradas comunistas; fuga do aluno Danilo Lopes Bessa e exonerações políticas proferidas pelo governador Aluízio.
Não só o movimento estudantil foi afetado, a diretoria da Faculdade de Direito se viu numa situação atentatória. A vida acadêmica também passava a sofrer intervenção militar… O professor Otto Guerra acreditando numa possível soltura do prof. Luiz Maranhão Filho, preso e torturado barbaramente pelo Exército brasileiro, adiava a realização do primeiro concurso público realizado na UFRN para professor da cátedra de Teoria Geral do Estado, já que Maranhão Filho era um dos candidatos inscritos. A prisão se alongou por meses e o professor nunca mais retornou a cidade, após viver em clandestinidade, foi morto em 1973 pela polícia política do Rio de Janeiro e depois incinerado na Usina Cambhayba no município de Campos dos Goytacazes- RJ.
A partir de então um clima de medo, temor e perseguição passou a acompanhar os brasileiros. As eleições para o DAAC passaram a ser todas indiretas, infiltrantes eram colocados, estrategicamente, nas salas de aula e espaços da administração, a vigilância e a repressão passou a ser a política pública institucionalizada e mais bem operada pelo governo militar… Gerações, sonhos e mudanças foram abortadas! Jovens idealistas sofreram na pele o expurgo e autoritarismo…
Anos depois, a Faculdade e o DAAC foram extintos e o prédio da Ribeira cedido para a Secretaria de Segurança. A ditadura militar cada vez mais desestruturava e tentava apagar a história do movimento estudantil e da própria Universidade. Panorama tão bem compreendido e ressoado pelo professor de Constitucional Edgar Barbosa que parafraseando Manuel Bandeira proclamou: “Vão demolir esta casa / Mas meu quarto vai ficar / Não como forma imperfeita / Neste mundo de aparências: Vai ficar na eternidade, Com seus livros, seus quadros, Intacto, suspenso no ar!”
Obras consultadas:
Faculdade de Direito de Natal: Lutas e Tradições (1949-1973). Gileno Guanabara de Souza.
1964: Aconteceu em Abril. Mailde Pinto Galvão.
Anistia 20 anos (1979-1999): Um resgate da luta no Rio Grande do Norte. Sindicato dos Bancários do RN e Câmara Municipal de Natal.
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