Justiça a Paulo Francis, ainda que tardia
Por Maristela Basso.
Paulo Francis morreu em fevereiro de 1997, em Nova Iorque, de um
enfarte fulminante causado, em boa parte, pelo desgosto e sentimento de
injustiça que corroeu sua alma e seu coração, e nos privou do cara mais
chato e irremediavelmente brilhante e encantador que o Brasil já teve.
Francis estava sob a enorme pressão resultante de um processo judicial
ardilosamente proposto contra ele nos Estados Unidos por suposta calúnia
contra a Petrobras.
Pouco antes, no Programa de Tv a cabo do qual participava, o Manhattan Connection,
transmitido pela GNT, à época, Paulo Francis sugeriu a privatização da
Petrobras e chamou atenção para o fato de que seus diretores desviavam
dinheiro para contas na Suíça, e era preciso investigar. Contudo,
Francis não tinha provas. Jornalistas geralmente não as têm. Suas fontes
são, em geral, secretas. Elas dizem o que sabem, vivem e veem, e por
temerem por suas vidas preferem ficar no anonimato. Nesses casos estamos
diante das chamadas “provas diabólicas”: excessivamente difíceis de
serem produzidas. A credibilidade de Francis e a solidez do Programa
deveriam ser suficientes para dar sustentação à denúncia e justificar a
investigação no Brasil. O que não ocorreu, e tivemos que esperar até
muito recentemente para que os mandos e desmandos da Petrobras
começassem a ser investigados.
Após a denúncia de Paulo Francis, os sete diretores da Petrobras,
liderados pelo então Presidente, Joel Rennó, decidiram cobrar reparação
judicial pelo suposto dano moral resultante da calúnia que alegaram ter
sofrido e, para tanto, buscaram o Poder Judiciário dos Estados Unidos,
conhecido pela receptividade desse tipo de ação e por fixar indenizações
milionárias. Os diretores da estatal fizeram o que em Direito se chama
de “forum shopping”, isto é, recorrer ao judiciário de um país cuja
legislação é mais favorável e as decisões dos tribunais mais palatáveis
ao caso que se pretende ver julgado.
E assim foi. A Justiça americana mandou Paulo Francis indenizar os
diretores em 100 milhões de dólares, mais custas e honorários. Muitos
brasileiros ilustres, em vão, bateram na porta do Presidente Joel Rennó
para que desistisse de cobrar de Francis – que não tinha os meios
necessários. Francis, em seu calvário melancólico pós-sentença, começou
por transferir sua dor moral para uma simples bursite e desta migrou,
definitivamente, para uma bomba no seu coração. Lá se foi a figura
agridoce mais extraordinária de todos os tempos e um “gentleman” como
não se viu mais.
E como seguir agora sabendo que era tudo verdade? E, o pior: a
roubalheira era muito maior e que não tão poucos por tanto tempo
roubaram tudo que podiam.
Paulo Francis merece ter sua memória recomposta. Sem lhe fazer
justiça estamos fadados e nos igualar aos seus algozes. É o mínimo que
podemos fazer por ele. Para tanto, é preciso que seus herdeiros e
sucessores voltem ao Poder Judiciário americano com uma ação de
recuperação da imagem e erro judicial – frente às provas de que dispomos
agora. É preciso responsabilizar a Justiça americana da morte de
Francis, haja vista que nenhuma sentença pode ser proferida sabendo-se
que o condenado não teria os meios de pagar – e que seu cumprimento o
levaria à ruína. É preciso que a Justiça americana reconheça que foi
usada como “forum shopping” por litigantes de má-fé que deveriam ter
ingressado com a ação na Justiça da cidade do Rio de Janeiro, sede da
Rede Globo de Televisão, responsável pelo programa “Manhattan Connection”,
e local onde os diretores da Petrobras viram e sentiram os efeitos e
prejuízos (se houve) do que foi dito por Francis. A Rede Globo também
pode tomar essa iniciativa, afinal de contas o Programa era e é dela.
Errou a Justiça americana. Deixou-se usar à época. Mas os tempos
mudaram lá e cá. Não há que se preocupar com a prescrição. Esta não
atinge a nova demanda nos EUA por justiça a Francis. Fatos novos
apareceram e com eles um mar de provas. Sem falar que crimes contra os
direitos humanos não prescrevem e aqueles do colarinho branco abrem um
corredor direto para a prisão nos Estados Unidos.
Entretanto, até que isso aconteça, fica a sugestão de buscarmos
consolo em uma discreta risada (mesmo sem ninguém ver) em homenagem a
Paulo Francis, pois ele tinha razão.
Maristela Basso é Professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Lago São Francisco).
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