As rivais
Agatha Christie (1890-1976), a
mais popular autora de romances detetivescos de todos os tempos, sobre quem
escrevi na semana passada, teve muito predecessores. Edgar Allan Poe
(1809-1849), Émile Gaboriau (1832-1873) e William Wilkie Collins (1824-1889)
são considerados os pioneiros da ficção policial/detetivesca que hoje
conhecemos. Sobre o primeiro e o último, aliás, já tratei por aqui. Mais
especificamente, na Inglaterra da virada do século XIX para o XX, Sherlock Holmes
e o seu amigo Dr. John H. Watson, personagens da ficção de Arthur Conan Doyle
(1859-1930), foram, segundo a crítica especializada, protótipos para Agatha
Christie e o seu detetive Hercule Poirot (que tem no Capitão Hastings o seu Dr.
Watson). Assim como o Father Brown de G. K. Chesterton (1874-1936), o detetive
religioso “descendente” de Sherlock Holmes, com sua mente brilhante e suas
idiossincrasias, certamente também foi fonte de inspiração para os
“investigadores” da “Rainha do Crime”, tanto o já citado Poirot como a detetive
amadora Miss Jane Marple.
Isso tudo, acredito, é do
conhecimento de quase todos os amantes (literariamente falando, que fique
claro) de Agatha Christie.
O que muitos não sabem,
entretanto, é que a “Rainha do Crime” teve, na primeira metade do século XX na
Inglaterra, na “Golden Age” dos romances detetivescos, pelo menos duas grandes
“rivais”, Dorothy L. Sayers (1893-1957) e Margery Allingham (1904-1966), muito
embora essa “rivalidade” não implicasse, como explica Martin Fido (em “The
World of Agatha Christie: the Facts and Fiction behind the World's of the
Greatest Crime Writer”, Editora SevenOaks, 2010), até pelo caráter das “ladies”
envolvidas, uma competitividade ostensiva entre elas. Reverenciadas ainda hoje
na Inglaterra (e, em muito menor escala, nos demais países da língua inglesa),
Sayers e Allingham são aqui no Brasil, em regra, infelizmente, duas “ilustres”
desconhecidas.
Nascida em Oxford, Dorothy L.
Sayers, além de romances policiais, escreveu teatro e poesia. Foi tradutora (é
celebre a sua tradução da Divina Comédia de Dante Alighieri), ensaísta e
pensadora cristã. Mas Dorothy L. Sayers, sem dúvida, é hoje especialmente
conhecida pelos seus romances e contos detetivescos, publicados entre a
Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, sobretudo aqueles protagonizados pelo
aristocrata e detetive amador Lord Peter Wimsey. Lord Peter é uma figuraça.
Abastado o suficiente para não “precisar trabalhar para sobreviver”, ele vive,
quase feito um dândi, em Piccadilly, uma das regiões mais ricas da Capital do
Reino Unido. Faz o tipo esportivo, gourmet e gozador. Às vezes de par com a
ficcional romancista policial Harriet Vane, com quem se casa, ele desvenda
crimes, ao que parece, por puro divertimento. Pelo que eu sei, foram nove romances
protagonizados por Lord Peter (e mais dois volumes de contos), que formam uma
excelente coleção, entre eles “Whose Body?” (o primeiro, de 1923), “Strong
Poison” (1930) e, o que talvez sejam as obras-primas da autora, “Murder Must
Advertise” (1933), “The Nine Tailors” (1934) e “Gaudy Night” (1935).
De uma família de escritores,
Margery Allingham nasceu no bairro londrino de Ealing. Tanto seu pai (que
também foi jornalista de profissão) como sua mãe foram ficcionistas de certo
sucesso nos periódicos de então. Margery Allingham é uma típica representante
da “Golden Age” dos romances policiais, especialmente lembrada pelos romances
protagonizados pelo detetive Albert Campion, que aparece, pela primeira vez, no
romance “The Crime at Black Dudley”, de 1929. O misterioso Campion, assim como
Lord Peter Wimsey, pertence à alta sociedade (com sangue azul, talvez).
Interessantemente, Margery Allingham, seguindo o passar do tempo na vida real,
faz o seu detetive envelhecer e mudar de comportamento na sequência dos muitos
títulos publicados. Por essa e outras razões (também podemos acompanhar o
refinamento na obra de autora), afirma Russel James (em “Great British
Fictional Detectives”, editora Remember When, 2008), embora seja constituída de
obras autônomas, a coleção protagonizada por Albert Campion é melhor
aproveitada se lida em sequência cronológica. De toda sorte, com a ajuda do já
referido Russel James, alguns títulos “estrelados” pelo detetive de Margery
Allingham podem ser destacados: “Look to the Lady” (1931), “Death of a Ghost”
(1934), “Dancers in Mourning” (1935), “The Tiger in the Smoke” (1952, talvez a
obra-prima da autora) e “The Beckoning Lady” (1955).
Bom, ao final fica a minha
sugestão: que tal lermos as rivais Dorothy L. Sayers e Margery Allingham? E
isso às claras, sem trairmos nem abandonarmos a minha “amiga” Agatha Christie.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College
London - KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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terça-feira, 13 de janeiro de 2015
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