Maria
de Oliveira Barros
Felizes os que tiveram a
oportunidade de conhecê-la. Na beleza de seu rosto angelical, na perfeição escultural
de seu corpo, na intimidade da alcova, na amizade sincera e cativante, na
maneira justa e respeitosa como tratava os seus subordinados, na bondade para com
os deserdados da sorte e na solidariedade que prestava aos seus familiares.
Foi uma mulher à frente do seu
tempo. Corajosa em contraponto a uma sociedade que ocultava os seus mais íntimos
desejos e necessidades no preconceito e justificava as suas mais incongruentes
atitudes através de sofismas ilusórios. Sociedade que rotulava de virtuosas as
mães que estufavam o peito ao exclamarem: “prendam as suas éguas por que os
meus cavalos estão soltos”! O cuidado e as virtudes eram para as meninas!
Maria viveu esse tempo e foi chamada
de a primeira grande dama de Natal. Era proprietária de um cabaré, (local de
trabalho das damas da noite que, guardadas as devidas proporções, se
assemelhava ao Moulin Rouge e ao Lido de Paris) que lhe rendeu o cognome de
Maria Boa. O seu estabelecimento era refúgio
para os visitantes e homens da cidade que conversavam, bebiam, assistiam a
shows e, no imaginário erótico, buscavam a compra de fantasias luxuriosas que
lhes eram negadas na alcova familiar.
Maria de Oliveira Barros nasceu em Campina Grande em 1920
e, aos vinte anos de idade, foi trazida para trabalhar como babá na residência
de um importante cidadão natalense. Alguns meses depois, não se contentando com
as atividades desempenhadas pela linda donzela, inerentes à função para a qual
foi contratada, o cidadão avançou o sinal e, para não ter complicações com a
família, alojou a linda jovem em uma residência, patrocinando as suas despesas.
Era dado o primeiro passo para a criação da casa lendária que passaria a
integrar, mais tarde, os pontos turísticos de Natal.
A importância de Maria Boa era tamanha que ela avalizava
títulos bancários de empréstimos feitos por figurões da cidade e os militares
gravaram o seu nome no avião militar B-25 5079, utilizado na 2ª Guerra Mundial.
Maria foi às lágrimas quando recebeu a homenagem que foi conferir com os seus
próprios olhos.
Vivi com Maria de Oliveira Barros três experiências
marcantes. A primeira, exercendo o pastorado da igreja Batista, quando formamos
um grupo ecumênico que, além de minha pessoa, era composto pelo padre Pedro
Ferreira da Costa, a farmacêutica Izolda Leite da Fonseca, as assistentes
sociais Salete Nóbrega e Ivanize Silva e a artesã e alfabetizadora Maria Silva.
Todas as segundas-feiras à tarde – naquele dia o cabaré não funcionava –
realizávamos um trabalho de autoestima com as mulheres internas com o objetivo
de proporcionar-lhes uma nova opção de vida. Eram palestras educativas,
religiosas e atividades de artesanato. Na primeira reunião, através da gerente Maira,
nos foi apresentado o regulamento da casa. Aquele documento divulgava a forma
honesta e respeitosa como Maria tratava as internas de seu estabelecimento.
Causou-me surpresa e admiração.
A segunda experiência quando, por ocasião de seu
aniversário, eu e alguns servidores da Escola Técnica Federal, fomos lhe ofertar
um buquê de rosas. Recebidos carinhosamente por ela, que até discurso de
agradecimento fez, saímos deslumbrados.
A terceira, já depois de estar aposentada, quando tive o
privilégio de ser convidado para alguns réveillons em sua residência
particular. Foram momentos
inesquecíveis. Tenho guardada, inclusive, uma foto em que estou sentado ao seu
lado. Em 1996 foi o último réveillon de que participamos. A sequência foi
interrompida com o seu falecimento, no dia 22 de julho de 1997.
Junto com Maria morreu todo um romantismo de uma época.
Diferente da pecadora, descrita no Evangelho, ela não foi denunciada e,
certamente, o Mestre dos mestres não precisaria aconselhá-la a ser cuidadosa no
viver, pois ela viveu todo o seu tempo na discrição e recato, consciente de sua importância e do seu
valor ante uma sociedade que está sempre pronta para jogar pedra nas Genís.
Os apelos do Natal fazem renascer, em meus olhos, as
luzes do seu cabaré e, no meu coração, o sentimento de gratidão pela dádiva de
sua amizade e o reconhecimento e o aplauso pela mulher coragem que ela soube
ser.
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Nivaldo Ferreira da Silva
é professor aposentado do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio
Grande do Norte. silvanfeni@gmail.com
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