OS PRÍNCIPES QUE VIRAM SAÚVA
Públio José – jornalista
As lendas, os contos infantis e as histórias de carochinha nos dão
conta de Príncipes que viram sapo, passarinho, cachorro e outros tipos
de animais. Mas no Brasil – ah, que país fantástico! – os Príncipes há
muito tempo estão virando saúva. É, saúva, aquela formiga grande, que na
década de 50 gerou um verdadeiro clamor nacional a favor da sua
extinção (lembram-se do slogan “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a
saúva acaba com o Brasil?”). Naquele tempo a frente de batalha fora
aberta contra o pequeno animal em função da sua incontrolável capacidade
de destruir tudo que encontrasse pela frente. Dotada de presas de uma
eficiência extraordinária, a saúva assustou o meio rural brasileiro,
ainda carente de modernas tecnologias necessárias ao combate das pragas
no campo, pelos enormes prejuízos que causava com a sua fome
desmesurada. Milho, café, e outras preciosas culturas, sucumbiam diante
da poderosa formiga.
Com o passar do tempo, os problemas criados pela saúva foram tomando
uma dimensão administrável, novas tecnologias foram surgindo, seu
combate foi ficando a cada dia mais eficaz – e ela deixou de ser o
bicho-papão que se prenunciava. Mas ao se retirar do palco das emoções
nacionais, a saúva deixou um herdeiro muito mais poderoso: o mau
político, o tal do homem público corrompido. São os Príncipes de que nos
fala Maquiavel. Para efeito externo parecem perfeitos. Bem vestidos,
bem arrumados, falantes, envolventes. Interiormente, entretanto, deixam
muito a desejar. Têm funções de comando, influenciam, administram muito
dinheiro e, em todo momento, mexem com a vida de milhares e milhares de
pessoas. Segundo a Bíblia são instituídos por Deus para exercer
autoridade. Deveriam, como se vê, encarnar o papel de Príncipes tanto do
ponto de vista político como no tocante ao espiritual. Mas nem sempre é
assim...
A diferença visual entre o Príncipe e a saúva é gritante. Moralmente a
diferença deveria permanecer. Mas tem muito Príncipe trocando o caráter e
as vestes de Príncipe, talares, solenes, majestáticas, espiritualmente
abençoadas, pela vestimenta obscura, fétida, e moralmente desprezível da
saúva. O Príncipe foi entronizado para edificar, construir,
solidificar, consolidar, fortalecer. A saúva só existe para prejudicar,
danificar, impedir, trabalhando tão somente em função de si mesma. À
saúva pouco importa o que acontece quando, através de suas presas
afiadas, põe abaixo a folha que dá sustentação ao fruto. A ela pouco
importa se seu gesto vai gerar a fome ou a escassez de provisão para
alguém. Ela quer cortar, se locupletar, cuidar do que é seu, levar suas
vantagens. Quando um Príncipe vira saúva o estrago que causa à sociedade
é enorme. De construtor passa a predador – e muitos sofrem em função
dessa mudança.
Ah! Ia esquecendo de ressaltar a questão do cheiro. O Príncipe usa os
melhores perfumes, as essências mais refinadas. Sua aparência exterior
tem de estar em dia com os manuais da moda, da etiqueta, do social. O
perfume que exala é muito importante para causar boa impressão. Já a
saúva... Tem o cheiro do subterrâneo, do porão, de lugares escondidos,
mal cheirosos, putrefatos. As obras do Príncipe são idealizadas à luz do
sol e concretizadas para o bem comum. As obras da saúva se escondem da
luz. Tudo que corta e carrega é levado para as sombras – para uso
exclusivamente seu. Mas o destino é cruel com a saúva. Ela nunca deixará
de ser saúva. Inclusive de ter as suas péssimas qualidades. Já o
Príncipe tem retorno. Pode largar o cheiro, o odor, as vestes e o
caráter da saúva e voltar a brilhar, a resplandecer na postura física,
moral e espiritual de Príncipe. É só querer. Será que quer?
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