terça-feira, 2 de setembro de 2014

Remédios



Antes dos anestésicos

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br



Na sociedade vitoriana pouca coisa provocava tanto temor as pessoas, quanto se submeter a um ato cirúrgico. A administração da dor era um grande problema.
 Não existia qualquer forma de anestesia, além do ópio e do álcool, que só podiam ser administrados com moderação, em virtude dos efeitos colaterais. A realização de qualquer procedimento cirúrgico era visto como uma forma de tortura. Praticamente, o paciente sentia todas as dores.
Os cirurgiões da época se orgulhavam de sua rapidez, pois as longas operações eram insuportáveis para os pacientes, bem como para eles. Procedimentos que hoje demoram horas eram executados em poucos minutos, para diminuir o sofrimento.
Em 1811, a escritora britânica Fanny Burney submeteu-se a uma mastectomia em Paris. Um ano depois, em carta a uma irmã, descreveu a terrível experiência.
Teria sido administrado a ela um vinho como única forma de anestesia. Foi em seguida acomodada em um apertado cubículo, que fora montado em sua casa por uma equipe de sete profissionais.
Então, deitada lado a lado com compressas, bandagens e instrumentos cirúrgicos, teve o rosto coberto por um lenço. Segundo sua própria descrição: “Quando o aço terrível penetrou meu seio, cortando através das veias, artérias, carne, nervos, nada havia que me impedisse de gritar. Soltei um grito que durou interminavelmente por todo o tempo da incisão, e muito me espanto por não mais ouvi-lo ecoando em meus ouvidos! Que agonia excruciante... Senti, então, a faca chocando-se contra o esterno, raspando-o! Tudo se desenrolava enquanto eu permanecia em uma tortura inteiramente muda”.
Antes de desmaiar, praticamente em choque, depois da operação, viu de relance o médico que a operara – “quase tão pálido quanto eu, o rosto recoberto de sangue e a expressão de dor, apreensão e, quase, horror”.
Em outubro de 1846, no Hospital Geral de Massachusetts em Boston, o dentista William Morton fez uma demonstração pública da utilização do éter como anestésico.
A notícia logo atravessou o Atlântico, e ainda naquele ano o dentista londrino James Robinson começou a usar o éter em seus pacientes, o que causou espanto entre os médicos.
Na virada daquele ano, o entusiasmo pelo éter se alastrava para além da comunidade médica, divulgado pela imprensa. Muitas pessoas se interessaram pelo tema – um deles foi John Snow.
Contudo, o milagroso anestésico não era totalmente seguro. Algumas aplicações funcionavam muito bem – o paciente adormecia pelo tempo que durava o procedimento, acordava minutos depois, sem qualquer lembrança da operação e a sensação de dor era bastante reduzida. Porém, alguns acordavam abruptamente no meio da cirurgia. E muitos jamais acordaram.
O estudioso John Snow logo aventou a hipótese de que fatos assim ocorriam por uma questão de dosagem e iniciou uma série de experiências, a fim de determinar a melhor maneira de administrar o milagroso gás. Snow organizou uma “Tabela para o cálculo da intensidade do vapor do éter”, baseado na influência que teria a temperatura do local onde estavam sendo realizados procedimentos cirúrgicos.
Enquanto concluía seus estudos, Snow iniciou um trabalho com Daniel Ferguson, um fabricante de instrumentos cirúrgicos, com o intuito de produzirem um inalador que permitisse um melhor controle sobre o anestésico.
Em 1847, a comunidade médica direcionou suas atenções para um novo anestésico – o clorofórmio – e Snow passou também a pesquisá-lo. Em finais de 1848, Snow publicou uma monografia sobre a teoria prática da anestesia.

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