PÓS-COPA: PASSANDO O PENTE FINO
Públio José – jornalista
De tudo o que se viu, leu e ouviu a respeito da Copa do Mundo (tirando
os exageros pornográficos, partidários, ideológicos, enfim, deixando de
lado as baboseiras intempestivas), alguma lição deve ter ficado para o
brasileiro de todos os níveis. Afinal, não é possível que tamanho
desastre para a nação verde-amarela não traga pelo menos algum lucro –
principalmente vendo-se os enormes gastos e os sacrifícios de todos. O
perigo é o país passar por ondas gigantescas de fatalismo misturado com
pessimismo, terceiro-mundismo, revoltismo inconsequente e manipulismo
estéril – que não levam a nada. Algumas análises, por exemplo, levam os
funestos acontecimentos para o campo do “deixa pra lá” puro e simples:
“o Brasil é mais que um time de futebol”; “o Brasil vai superar tudo
isso; bola pra frente”. Esse comportamento é perigoso por não considerar
a análise fria dos fatos.
É o tipo do posicionamento centrado na música de Zeca Pagodinho (“deixa
a vida me levar, vida leva eu”). Ou seja, eu não ligo para o que
acontece. Eu chuto os fatos pra frente – numa gritante e vergonhosa
demonstração de omissão e de falta de coragem para encarar fatos de
dimensões relevantes. Outras colocações lançam o futebol para o terreno
da desimportância, pois o Brasil “precisa mesmo é de saúde, educação e
segurança de qualidade”. Outras inserem o insucesso da seleção no campo
dos “altíssimos salários pagos aos jogadores brasileiros”, como se a
remuneração dos tais não obedecesse às leis de mercado. Tem também
aquelas que jogam toda a culpa do fracasso na corrução, na
desorganização, na falta de disciplina do brasileiro, na nossa crônica
impontualidade. E, pior dos cenários para o futebol, há os que
prognosticam a inexistência de craques, de bons jogadores no solo
pátrio.
Ora, se os jogadores da seleção são nomes de expressão em times do
exterior, tal fato comprova que falta de craques não é a questão do
futebol brasileiro. O problema é que, apesar de válidas e de conterem
elementos positivos, tais colocações jogam fumaça demais em um tema que
precisa de um diagnóstico preciso e objetivo. Para tanto, não se pode
deixar de observar a questão na origem, na raiz: o estado atual dos
times brasileiros e a inexistência de uma política de incentivo e de
prática esportiva nas escolas brasileiras. Caindo aos pedaços – e
entregue ao atraso, à desorganização e à dogmatização ideológica – o
sistema de ensino pouco tem contribuído para o surgimento de talentos na
seara esportiva. Por outro lado, os clubes... Misericórdia! É
praticamente inalcançável um futebol de qualidade, de padrão
internacional, com os clubes brasileiros vivendo na idade da pedra
lascada no que diz respeito à gestão.
É impensável, com a estrutura atual, o futebol brasileiro continuar a
ostentar o modelo que encantou o mundo até pouco tempo atrás, quando se
vê times como o Vasco da Gama (o Vasco é só um exemplo; a praga acomete
quase todos) precisando de empréstimo da Federação de Futebol do Rio
(algo em torno de cinco milhões de reais) para pagar os salários dos
jogadores referentes aos meses de abril e maio passados. E junho, e
julho, e agosto, e setembro, e...? As dívidas do Flamengo já se
aproximam do bilhão, as do Botafogo não ficam atrás, seguindo-se uma
fieira sem fim de clubes pendurados em passivos a perder de vista. Em
vista disso, como tê-los na função de celeiro natural de craques?
Importante também se atentar para o fato do risco do Brasil perder um
patrimônio incalculável – representado pelo conjunto das equipes de todo
o país – conquistado a duras penas por mais de um século.
E as consequências? Recentemente, o Brasil chegou a figurar na 19ª
colocação do ranking da Fifa; os atletas jovens, mal despontam, já são
negociados diretamente para o exterior, sem passarem pelos times locais;
o surgimento de bons jogadores quase inexiste, levando os times a
contratar gente que já deveria ter pendurado as chuteiras, etc, etc.
Está na hora, portanto, da modernidade de gestão alcançar o futebol
brasileiro. Como também é o momento ideal para o governo apresentar um
plano consistente que, além de editar leis que punam os dirigentes
irresponsáveis e desonestos que infestam a cena esportiva, coloque a
escola de uma vez por todas no verdadeiro lugar que lhe cabe nesse
negócio. Aí o futebol brasileiro voltará a brilhar no campo da
excelência. E o torcedor voltará à condição de gritar gol a plenos
pulmões. É gol, é gol, é gol. É goooooooooolll!!! Brasil!!!
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